Sádico, cru, intenso e perturbador, filme na Netflix é uma das experiências mais devastadoras da história do cinema Divulgação / Universal Pictures

Sádico, cru, intenso e perturbador, filme na Netflix é uma das experiências mais devastadoras da história do cinema

Psicopatias, os males da alma, podem se impor sobre a vida de uma pessoa, variando de intensidade de acordo com a conduta do paciente. A maneira como alguém reage frente aos desafios que sua própria mente lhe prepara termina por definir a vida que essa pessoa terá, e saber até que ponto se dispõe de vigor para burlar as tantas armadilhas ocultas que entulham nossa cabeça é uma questão cuja importância cresce à medida que passam-se os anos e não encontramos a solução que julgávamos óbvias para males aparentemente banais. O cérebro humano e suas doenças, poderosas o bastante para impactar corpo e alma em medida equivalente, permanecem um mistério indecifrável para o homem e boa parte da comunidade médica, que avança rumo a descobertas que soavam fantasiosas até outro dia, mas ainda está longe de anunciar as conclusões que trariam sossego ao espírito de muitos. Chegar a uma resposta categórica quanto às perturbações que deixam o plano das ideias e aterrorizam o cotidiano de gente comum, que não raro torna-se prisioneira de seus fantasmas, soaria como a quimera a dotar de algum alento a dureza da existência do homem sobre a Terra.

Em “A Última Casa” (2009), remake de Dennis Iliadis de “Aniversário Macabro” (1972), ícone do terror dirigido por Wes Craven (1939-2015), Dennis Iliadis conserva o teor eminentemente sombrio da história ao passo que se esmera nas sequências que apresentam os traços de maldade profunda, mas disfarçada, de seus protagonistas, um dos grandes acertos do filme. Se o trabalho de Craven mesmeriza pela crueza antiestética de que o veterano lançava mão para falar de comportamentos bizarros e inadmissíveis, Iliadis não fica atrás. O roteiro de Adam Alleca e Carl Ellsworth, cheio de sequências em que os diálogos, repletos de tiradas cortantes ditas do jeito mais cinicamente natural — emolduradas pela fotografia sempre muitos tons abaixo da luminosidade confortável, feito de Sharone Meir —, é como um manifesto ao niilismo ao dar vida a personagens cruéis por natureza, e se tem claro sempre que, malgrado o enredo oscile entre o farsesco e o verossímil, não se trata exatamente de ficção, uma vez que podemos topar com essas figuras a qualquer momento.

O argumento quase delirante de Alleca e Ellsworth depende de modo terminante da capacidade de persuasão do elenco quanto a fisgar a audiência. John e Emma Collingwood, o casal vivido por Tony Goldwyn e Monica Potter, se retiram para a casa de campo da família, deixando a filha Mari, de Sara Paxton, que, claro, trataria de arranjar uma forma para passar o tempo. Ela e Paige, a amiga vivida por Martha MacIsaac, se combinam um encontro com Justin, o anti-herói interpretado por Spencer Treat Clark, que ficaria sozinho durante a noite na casa em que mora com o pai, Krug, de Garret Dillahunt, e o tio, Francis, papel de Aaron Paul, mas os dois voltam inesperadamente, trazendo Sadie, de Riki Lindhome, a tiracolo. Iliadis deixa alguma ponta solta no desenlace do conflito desse núcleo, uma vez que fica-se sem saber o motivo do garoto ser obrigado a estar sempre sozinho, e, a narrativa sai um pouco do razoável quando Krug e o irmão se entusiasmam ao constatarem que o garoto desfruta de companhias femininas. O que vem a seguir tem o condão tanto de assustar como de provocar a repugnância do espectador, graças às cenas de violência gratuita muito bem registradas por meio de closes e planos-sequência incansáveis, que perseguem os atores, todos aproveitados na ação.

No último ato da história, quando Justin dá a deixa para que se revele o mistério, todo o elenco, a exceção da personagem de MacIsaac, se reúne no cenário da casa de temporada, onde se deslinda o complemento das primeiras cenas que dão azo ao clima de barbárie, onipresente até o desfecho, com uma cena admiravelmente inventiva. Nesse segmento, as performances de Goldwyn e Potter crescem ainda mais, muito por causa do retorno do trabalho de Dillahunt. Paxton, por seu turno, se revela uma atriz de raros profissionalismo e maturidade, tanto mais para uma garota de 21 anos.


Filme: A Última Casa
Direção: Dennis Iliadis
Ano: 2009
Gêneros: Thriller/Terror/Crime
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.