Os thrillers psicológicos são o ai-jesus do cinema justamente por seu caráter pleno de mistério, de paranoia, de drama, permeados por doses homeopáticas de comédia, de crítica social e mesmo de romance — seja qual for o critério que se admita, se por faixa etária, escolaridade ou poder aquisitivo. Errando pelo mundo, o homem tenta não desistir da jornada árida da vida, por mais que se fira, que se escalavre, que vá restando um farrapo do que um dia já fora, o corpo e a alma aos pedaços. E a vida, felizmente, tem as suas inesperadas reviravoltas. Ao passo que vivemos, nos tornamos mais experientes e, por conseguinte, mais atentos para com as armadilhas ao longo do caminho. Mas e quando aquela pedrinha bem pequenininha, exatamente por sua natureza diminuta, nos leva ao chão e a gente demora mais do que imaginava para se levantar, rezando para que surja um viajante bondoso que nos dispense um minuto de atenção durante a trajetória e nos ajude, nos dê um gole d’água, por mais suspeito que pareça? Muitas vezes só nos resta mesmo aceitar a generosidade de estranhos e não deixar que eles percebam a nossa tão humana desconfiança. Duas pessoas que vivem por anos sob o mesmo teto podem muito bem não se conhecer verdadeiramente, e pior, passar uma à outra a falsa impressão de que tudo corre como ouro sobre azul, de que o amor continua a ser o fundamento que as faz permanecer unidas — sendo que a própria vida já se encarregou de mexer seus pauzinhos e aprontar das suas, a exemplo do que se vê em “1922” (2017), dirigido por Zak Hilditch, e também em “I Am Mother” (2019), de Grant Sputore, que igualmente põe à prova os muitos sentimentos — e as muitas incongruências — das relações humanas. Esses e mais cinco títulos, todos na Netflix, fazem da nossa lista um farol no mar revolto das histórias de suspense. Não embarque em canoa furada e aporte em terra firme com a gente.
O cinema asiático vem conseguindo quebrar paradigmas e preconceitos e adquire cada vez mais proeminência, em todos os gêneros, dando corpo às tramas mais complexas e trazendo novos olhares sobre questões que se imaginava emboloradas — e faz tudo isso com competência e originalidade, muitas vezes misturando uma série de linguagens fílmicas numa trama só. Em “The Soul”, o assassinato de um grande empresário dá azo a uma investigação minuciosa por parte do promotor Liang Wenchao e sua esposa, a agente A Bao. Aos poucos, eles vão decifrando os muitos mistérios do caso, como o de que todos os que eram próximos ao morto apresentavam razões muito sólidas para acabar com ele. A partir de então, percebem que estão em grande perigo se não descobrirem logo a identidade do criminoso.
É muito difícil um casamento resistir à perda de um filho — e o casal que consegue tal proeza pode reivindicar essa vitória. Ao se sobrepor à vida, a morte reafirma seu inesgotável poder sobre os homens, por mais escondida que esteja. A frustração, a tristeza, o desespero de ver morrer um filho, a vida tendo desrespeitado seu sentido mais primevo, é o que se absorve da maneira mais brutal em “Pieces of a Woman”. Ao espectador, é concedido o direito de observar de perto — perto demais — o trabalho de parto de Martha Weiss, ao longo de sombrios 25 minutos — e só ao fim dessa agonia o nome do filme surge na tela. Com essa decisão artística, o diretor Kornél Mundruczó quis fazer o público tomar parte no tormento da personagem principal, fazê-lo perceber que havia uma vida se abrindo para o mundo e essa vida, por alguma razão, escapou. Martha é absorta por uma espiral de sentimentos múltiplos: a alegria fugaz de se sentir mãe logo é substituída por um luto que se prolonga na vida da protagonista indefinidamente, estado do qual ela não consegue se livrar, e que vai impactar de modo decisivo seu relacionamento com o marido, Sean, e a mãe, que reconhecem sua dor, insistem para que ela redescubra o prazer na vida, mas não sabem como persuadi-la, e metem os pés pelas mãos. Sean, em particular, passa a demonstrar uma ligeira indiferença, primeiro pelo sofrimento da companheira, depois pela própria Martha, que por sua vez perde completamente o interesse pelo parceiro. O roteiro faz com que se entenda que também ele padece com a tragédia, mas que isso não lhe serve de licença para sua covardia. Enquanto isso, Martha se desintegra ao ponto de nem ostentar mais qualquer coisa de humano. Torna-se uma criatura algo transcendental, como um espectro que ronda a matéria que lhe compunha, ansiando por voltar àquele corpo, impressões que a audiência só nota graças ao espantoso talento de Vanessa Kirby. Sua Martha Weiss é um dos retratos mais pungentes de um personagem em sua condição mental, uma mulher despedaçada que possivelmente nunca volte a estar por inteiro outra vez, ainda que o final empenhe uma promessa de felicidade.
Assim como em “2001 — Uma Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick, e “Metrópolis” (1927), de Fritz Lang, “I Am Mother” usa a ficção científica para escancarar problemas de classe e conflitos íntimos da natureza humana. Mãe, um dispositivo inteligente, é responsável pela criação de uma adolescente, Filha, designada para recolonizar a Terra depois que catástrofes dizimaram a população mundial. As duas mantém um bom relacionamento, até que uma mulher desconhecida consegue penetrar na hermética unidade de repovoamento dando notícias alarmantes. Desse momento em diante, Filha começa a elaborar uma série de questionamentos sobre a espécie humana e sua própria vida.
Fins de semana entre amigos são um tiro no escuro: na segunda-feira, pode-se voltar com as baterias recarregadas, pronto para mais sete dias de trabalho duro, ou, devido à frustração de se conhecer verdadeiramente a pessoa a quem tomamos como um irmão, sofrer um desapontamento forte o bastante para marcar de modo nefasto a lembrança. Nas horas vagas, Marcus se dedica à caça como hobby, prazer que quer de que Vaugh também desfrute. O pequeno vilarejo no interior da Escócia em que passam momentos de descanso é o cenário ideal para que Marcus dê a Vaugh suas lições elementares de tiro. Tudo corre bem e a caçada tem início. O primeiro alvo é dos bons, um animal de porte avantajado. Um tiro é disparado, mas o bicho escapa. Mesmo assim, estão certos de que a bala teve algum outro destino e agora o que resta aos dois é se livrar de problemas com a lei.
O suspense do diretor Jang Hang-jun vem confirmar a trajetória ascendente do cinema sul-coreano. A narrativa do ótimo “Rastros de um Sequestro” gira em torno de Jin-Seok, que acaba de se mudar com a família para uma casa nova. Certa noite, o rapaz presencia o sequestro do irmão mais velho, Yoo-seok, que volta 19 dias depois, sem se lembrar de nada. A reação de Yoo-seok poderia ser entendida como natural frente a tamanho choque, mas Jin-Seok começa a estranhar o comportamento dele e o fato de o irmão sempre sair a altas horas. Convencido de que a pessoa que passou a conviver com a família não é Yoo-seok, o protagonista decide investigar o caso por conta própria.
Arlette herda um pedaço de terra de seu falecido pai e quer vendê-lo, bem como a propriedade de seu marido. Wilfred não concorda com a esposa e acaba resolvendo matá-la, ajudado pelo filho do casal, Henry. A trama, mais uma boa adaptação de um thriller do escritor Stephen King, toca em pontos delicados, a exemplo de casamentos que se prolongam além da conta, por puro comodismo de parte a parte, e acabam redundando em finais como o que se vê nessa história, cheia de anticlímax e detalhes que, de tão sutis, podem passar despercebidos ao espectador mais afoito. Aprecie sem pressa.
Em “Sicario: Terra de Ninguém”, continuação do aclamado “Sicario: Dia de Soldado”, o diretor Denis Villeneuve, como sempre, deixa sua marca: um filme de acordes vibrantes, seja pendendo para o suspense clássico, seja o misturando ao terror e dando matizes mais pronunciados a este. O soberbo roteiro de Taylor Sheridan conta a história de Kate Macer, agente do FBI escalada para uma força-tarefa a fim de deter o manda-chuva do tráfico no México, que administra um poderoso cartel. A operação está envolta em uma densa névoa de mistério, conduzida por policiais de conduta duvidosa, e é em meio a este cenário que Kate terá que combater o sangrento tráfico internacional de drogas, sem se deixar esmorecer nem se seduzir por ele.