Um dos filmes mais subestimados da última década está no catálogo da Netflix Divulgação / Muse Productions

Um dos filmes mais subestimados da última década está no catálogo da Netflix

A juventude é um capital por óbvio temporário, escasso, extremamente precioso, capaz de transformar um homem e a humanidade e exasperantemente sobrevalorizado por tudo isso. Os conceitos de juventude são quase tão vastos quantos são os grãos de areia de uma praia. Há quem pense que ser jovem é atravessar a noite ajudado pela magia que há no fundo de uma garrafa, dançando como se não houvesse amanhã — e muitas vezes acaba não havendo mesmo —, construindo sua casa sobre a areia e esperando que ela nunca se deixe arrastar pelo vento; por outro lado, existem os que encaram os verdes anos da vida como um investimento, em que vale a máxima que reza que quanto mais se planta mais se colhe, e a depender do que se plante, vai-se o lavrador, mas fica a colheita, para além da eternidade. Ser jovem é um estado de espírito, como também se depreende do clichê, mas ser jovem implica certas atitudes próprias dessas criaturas invejadas por seus predicados e por seus defeitos, plenas de uma força que faz com que se creiam personagens de um melodrama um tanto estúpido, furioso e barulhento.

Ex-estrelas da Disney fazem questão de ostentar todos os seus atributos em “Spring Breakers: Garotas Perigosas” (2013), recorte em que o diretor Harmony Korine elabora sua perspectiva acerca dos vícios e das (poucas) virtudes de certa mocidade dos Estados Unidos. A câmera invasiva de Korine, quase como uma agulha, penetra na pele fina do público que deseja alcançar, sem oferecer chance para um resguardo qualquer, tampouco possíveis contra-ataques. Filmes como os de Korine, por evidente, funcionam melhor se tomados como elucubrações meio delirantes cujo objeto de análise perpassa diversos campos, ainda que um específico prevaleça, e para que se absorva toda a essência de sua composição, nem tão límpida assim, por conseguinte, é imprescindível partilhar determinados códigos. Se o sentido de um texto está indelevelmente vinculado à compreensão do receptor, em casos como este a observação torna-se ainda mais reforçada.

A iminência das férias une as amigas Faith, de uma Selena Gomez que parece ter nascido pronta; Candy, interpretada por Vanessa Hudgens; e Cotty, papel de Rachel Korine, em torno de um objetivo nobre: aproveitar o vasto tempo ocioso para, com apenas 325 dólares, se hospedar um hotel entre mediano e ruim, se estender na areia, beber e, se o dinheiro render, ir atrás do traficante mais próximo e incrementar a experiência com alguns aditivos ilegais. Essas moças provincianas do Kentucky, no sudeste dos Estados Unidos, sabem que para se divertir muito há que se empenhar ainda mais e, São Petersburgo vai ficando pequena para tanta desordem. A Veneza do Norte tem por fama acolher muito bem seus visitantes, mas em qualquer lugar do mundo para onde se vá — e por mais jovem e bonito que se seja — há que se demonstrar algum decoro. Como tal possibilidade parece mesmo longe de ser apreciada, essa trindade nada santa vai se jogando com gosto no abismo que as contempla, esperando, com a inocência que só fica bem em gente ainda por se moldar, obter bons resultados se valendo de práticas irremediavelmente equivocadas, gancho para a grande virada do roteiro de Korine.

O antagonista de James Franco ganha destaque a partir desse momento. Alien, um tipo desabridamente marginal, se propõe a salvar a pele dessas garotas muito mais vulneráveis que perigosas, desde que receba a devida recompensa. Delinquente e agregador em igual proporção, o personagem de Franco é um artista em seu ofício, deslocando-se a bordo de um carro espalhafatoso, circundado por asseclas francamente boçais e esbanjando seu prestígio de bandido-celebridade com muito dinheiro vivo e armas reluzentes. O diretor endereça a Alien os melhores diálogos do filme, malgrado seja de Faith o arco dramático mais bem sacado. A ideia de situar a protagonista num núcleo centrado na religião funciona, dando profundidade não só a sua composição, mas à narrativa como um todo. No que as outras duas ficam a dever, Gomez sobe muito mais alto, exaltando a aura hedonista de feras enjauladas que se libertam sem muito cálculo, bem a gosto de plateias de todas as idades.


Filme: Spring Breakers: Garotas Perigosas
Direção: Harmony Korine
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Aventura/Crime
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.