Thriller erótico com Jennifer Lopez na Netflix vai te manter imóvel no sofá e com os olhos vidrados na TV Divulgação / Universal Pictures

Thriller erótico com Jennifer Lopez na Netflix vai te manter imóvel no sofá e com os olhos vidrados na TV

Ser adulto é estar só, e pior ainda, é ter de lidar com seus próprios fracassos, nem todos acachapantes a ponto de nos deixar de cara no chão, mas frequentes, diários muitas vezes. Sonhos que, por mais insignificantes que pareçam, nunca tomam forma para além de nossos devaneios; recuos estratégicos a fim de poder avançar num outro instante — que, da mesma maneira, se perde na bruma corrosiva do tempo —; sentimentos que julgávamos vitais a nossa sobrevida e que se abafam por si sós; relações que tínhamos como estrelas nos guiando num mar de tormenta e que se apagam sem se fazer notar. Cada um encontra o jeito adequado a fim de tentar fazer da vida uma experiência menos traumática, esperando que, assim, resolva-se boa parte de seus problemas. Muitas vezes, o casamento é a forma de que um número considerável de pessoas lança mão para escapar à solidão, sem se dar conta de que, justamente quando se tem essa ideia como primeiro norte, é quase certo que o feitiço vire contra o feiticeiro e aí mesmo é que a vida se torne um inferno a dois — ou a três —, cujas labaredas se alastram pela eternidade.

Essas condições tão particulares da vida após o idílio da meninice e da angústia sem fim da adolescência se convertem em armadilhas letais para homens e mulheres, como declara com picardia nada sutil “O Garoto da Casa ao Lado” (2015), suspense com bem dosadas notas sensuais de Rob Cohen. O diretor analisa um casamento num estágio bastante peculiar: marido e mulher não vivem mais juntos há nove meses, não deixaram de se amar, mas por algum bloqueio emocional de parte a parte, continuam separados. Contudo, não há nada de tão misterioso no roteiro de Barbara Curry, que repisa velhíssimos clichês, refrescados com a ajuda de um texto arguto, com ampla margem para os devaneios estilísticos de Cohen. O emprego de primeiros planos e planos detalhe potencializa a carga de erotismo que dá sentido ao filme, movimentando a narrativa na direção de uma acepção mais perturbadora de suspense. Em pouco tempo, mesmo quando ainda não é chegada a hora da temperatura do enredo subir e não descer mais, já se passa a sofrer os efeitos do fogo, até que tudo se resolva no desfecho meio abrupto.

Jennifer Lopez, claro, é mais que convincente no papel da quarentona bonita, exuberante, bem-sucedida — e entediada. Amargando uma dor de cotovelo com a descoberta do adultério do marido, Garrett, de John Corbett, que mantinha um caso com a secretária, muito mais jovem, Claire segue planejando as aulas da história da arte e literatura clássica da turma para a qual leciona, sem se prender muito a expectativas de uma reconciliação. Kevin, o único filho do casal, vivido por Ian Nelson, estuda no colégio em que ela trabalha e os dois estão juntos a maior parte do tempo. Como já se pode suspeitar, há alguma coisa de edipiano no relacionamento dos dois, manifesta não exatamente de uma perspectiva lasciva, mas na forma exagerada, doentia até, como Claire se dedica ao garoto. Já nas primeiras sequências, Curry encontra um meio de tentar dar alguma explicação para tantos cuidados, oportunidade que Cohen, por seu turno, aproveita para exercitar seu domínio técnico com enquadramentos confortáveis dentro de uma garagem cujo portão emperra sem motivo. Nesse vácuo surge Noah, o garoto (mas nem tanto) da casa ao lado a que o título alude. Sobrinho-neto do senhor Sandborn, o ancião boa-praça de Jack Wallace (1933-2020), Noah, cerca de vinte anos mais novo que Claire, se mostra solícito além do recomendável, e suas terceiras intenções para com a anti-heroína de Lopez tornam-se evidentes, ainda que disfarçadas pelo bom domínio cênico de Ryan Guzman, que se vale de expressões faciais esmeradamente medidas para demonstrar o caráter ambivalente de seu personagem, aqui e, principalmente, no segmento final. 

Guzman é o grande nome em “O Garoto da Casa ao Lado”, merecendo a confiança que Cohen lhe deposita e a menção ao antagonista logo no nome do longa. O envolvimento de Noah — que não demora a arreganhar os brancos dentes e assumir a vilania essencial que define sua personalidade — e Claire nunca chega a ser romântico, mas puramente sexual, talvez até animalesco. Claire, por óbvio, sabia muito bem o que estava fazendo ao aquiescer em ir para a cama com o garotão (e também sabia muito bem onde tudo isso poderia dar); só não sabia que estava diante de um psicopata típico, evidência para a qual só dá atenção depois de alertada pela amiga Vicky, a coordenadora pedagógica interpretada por Kristin Chenoweth, dona de um timing cômico surpreendente, em especial num filme tão tenso.
Acusando o golpe da rejeição e sentindo-se usado, impressão sem amparo na realidade, Noah está disposto a se apossar de tudo quanto Claire pudera conquistar ao longo da vida — seu casamento, sua família, o trabalho, a dignidade, até o acerto de contas dos dois, que também respinga em Kevin e, principalmente, em Garrett. Poucas vezes no cinema, um filme tão despretensioso fora tão longe, abordando questões da maior gravidade de modo profundo sem descuidar do entretenimento. Ninguém sabe ao certo como essa história finda, mas é válido ratificar a voz rouca das ruas e dizer que personagens como Noah são um presente para qualquer ator. E um regalo ainda maior para o público.


Filme: O Garoto da Casa ao Lado
Direção: Rob Cohen
Ano: 2015
Gêneros: Thriller/Suspense/Erótico
Nota: 8/10