O pior filme da história do cinema chega à Netflix e vai fazê-lo se arrepender por 110 minutos Universal Pictures

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T.S. Eliot (1888-1965), quem diria?, dedicou boa parte de sua produção a especular sobre a personalidade dos gatos. Em 1939, Eliot, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1948, publicou “Old Possum’s Book of Practical Cats”, no qual discorria sobre o comportamento dos felinos em versos que divertiram seus afilhados e rodaram o mundo. O autor de “A Terra Desolada” (1922), um dos poemas que mais bem captou o espírito de mudança de paradigmas que definiria todo o século 20, falou desses animais imersos num mundo só seu, absolutamente peculiar, da maneira mais profunda que alguém poderia, claro, repisando cenas em que essas criaturas, teatrais por natureza, se comportam como estrelas autossuficientes, carecidas dos patéticos humanos só para um ou outro momento de solidão imprevista — além, por óbvio, da cama quente e de um pires de leite três vezes ao dia. Esse modo um tanto incomum de demonstrar afeição encantou o poeta e seguiu despertando a atenção de outros artistas e intelectuais ao longo dos anos, e os bichanos entraram de vez no anedotário pop internacional, sendo parte e mesmo e dando azo a contos, novelas, canções, peças e filmes que se empenharam por imprimir na memória coletiva uma imagem carinhosa sobre os gatos.

Oitenta anos depois, o diretor Tom Hooper revive a essência de liberdade felina em “Cats”, mas tropeça por querer burilar um assunto que só faz sentido se tomado sob uma perspectiva de simplicidade, como fez Andrew Lloyd Webber na primeira versão do musical, em 1981. Webber foi o gênio capaz de transformar as palavras eternizadas por Eliot em ação, pensando que ficariam perfeitas num concerto ou peça de câmara. O sucesso para o londrino veio sem alarde, da mesma forma que para Eliot, mas capaz de propor algumas mudanças no dia a dia das pessoas, seguindo uma cadeia iniciada pelos atores, que inspiram novos olhares para as questões abordadas, a começar pela ilusão do glamour ubíquo na vida do artista. “Cats” fala de gatos comuns transformados em celebridades graças às aptidões que os fazem dignos de migrar dos becos mal iluminados e cheios de perigos ocultos para um recanto especial da cidade, nascedouro de promessas salvíficas de uma vida menos ordinária. Esse argumento parece se desvanecer inteiramente em meio à grandiloquência farsesca do filme de Hooper.

Os jellicles, os felinos dotados da capacidade de cantar de um jeito mavioso e deslizar pelas ruas em movimentos delicados, como uma coreografia de balé russo, podem conceder a um dos membros a honra de ser alçado ao posto de estrela do Heaviside Layer, onde acontece o espetáculo anual assistido pela elite dos gatos. O diretor começa a potencializar os ingredientes de sátira político-filosófica de seu roteiro, coescrito com Lee Hall, incluindo tipos como o soturno Macavity, grata surpresa na atuação de Idris Elba, que se mistura aos bichanos mais ingênuos a fim de explorá-los — ou só para tirá-los de circulação mesmo. Aos poucos, vai se tornando clara a vocação canônica da trama ao se reproduzirem números inteiros da peça de Webber, levada aos palcos quase quatro décadas antes, sem um trauteio fora de lugar. No começo, só olhares treinados notam a embrulhada, porém à medida que o enredo se desdobra, vai ficando cada vez mais difícil de aceitar calado.

Escandalosamente kitsch, há momentos de brilho genuíno e raro em “Cats”. A interpretação de “Memory” pela Grizabella de Jennifer Hudson derrete o mais empedernido dos corações, bem como a pesada maquiagem da atriz, que não resiste às lágrimas e ao calor do figurino. Trocando em miúdos, a empreitada de Hooper não nada além de mais do mesmo, sem Judi Dench ou Ian McKellen que resolvam. A montanha pariu um gato, e como todo gato, esse fica muito bem com seus próprios pensamentos. Por duas horas ou sete vidas.


Filme: Cats
Direção:
Tom Hooper
Ano:
2019
Gêneros:
Musical/Fantasia
Nota:
5/10