Are you ready to fly, mistah Pressssley?

Are you ready to fly, mistah Pressssley?

Viram o filme sobre o caipirão de Tupelo, Mississippi, chamado Elvis Aaron Presley e que ganhou na loteria genética ao vir ao mundo com aquela voz e estampa? Não? Pois corram ao cinema mais próximo. Meu tema aqui não é a técnica do filme, claro, pois disso eu pouco entendo; a história é que é fascinante, aquele jogo cósmico de dados, digamos assim, que aproximou pessoas como Elvis, Colonel Tom Parker, Rosetta Tharpe, B.B. King e outras do mesmo naipe, “larger than life”, num momento histórico coincidente. O filme em si, sendo dirigido por Baz Luhrmann, tem o seu tanto de “Moulin Rouge!”, o que funciona quase sempre (mas nem sempre, obviamente).

Vejamos com uma lupa o genial e meio canalha Colonel Tom Parker, interpretado por Tom Hanks no filme. O homem não era coronel e tampouco se chamava Thomas Andrew Parker, nascido em Huntington, West Virginia (daí o suposto sotaque meio sulista…): seu nome era Andreas Cornelis van Kuijk e ele nasceu nos Países Baixos, em 1909 (daí o sotaque…). O título “coronel” era honorífico e fora recebido do então governador da Louisiana, Jimmie Davies, também ele cantor de música country e de gospels. Com cerca de 20 anos, Andreas abandou sua família e seu país natal e desembarcou, creio, em Tampa, Flórida, onde Tom Parker começou a tomar forma, ansioso para se tornar um produtor ou gerente de entretenimento (diz-se ter havido um assassinato ainda não solucionado perto de sua casa na Holanda, imediatamente antes de ele mudar o rumo de sua vida). Para ser sincero, Tom Hanks parece um tanto canastrão como Parker, mas o fato é que o próprio Parker era uma figura exuberante; duvido muito que ser “canastrão” não tenha sido uma escolha do próprio Hanks ou de Luhrmann — e não é que deu certo?

Elvis está no filme como deveria estar (mas em parte, a bem dizer: o uso de drogas é mostrado superficialmente). B.B. King dispensa apresentações, nós sabemos. O filme mostra que ele e Elvis teriam sido bastante próximos, o que King confirmou em entrevistas e na sua autobiografia; contudo, como há gente chata no mundo, a intensidade dessa amizade tem sido questionada. E daí se não foram assim tão amigos? Ambos nasceram pobres no Mississippi e venceram pelo talento; se a lenda bate a realidade, publique-se a lenda, sempre com floreios exagerados e à maneira que John Ford nos ensinou.

Já Rosetta Tharpe era energia e confiança em forma humana, como vemos no famoso vídeo em que ela canta numa estação de trem. Quase não dá as caras no filme — aliás, agora não me recordo se ela é mencionada ou se surge na tela —; o fato, porém, é que sua influência sobre Elvis é cantada em verso e prosa. Não creio que ela tenha morado em Memphis, mas sim em Chicago e Nova York — sem problemas: Memphis era a representação do Zeitgeist musical, não seria necessário lá viver para dele participar. Há outras personagens: Chuck Berry, Sam Phillips e sua Sun Records, a Beale Street de Memphis… Delas cuidaremos em outro texto, lá pelas calendas.

De repente, então, fiat lux: toda essa turma (e mais outro punhado de gente) estava em Memphis ou passou pela cidade na década de 50 — “e Deus viu que isso era bom”, como está na Bíblia.

Ao filme, então, amigos, e sem perda de tempo; mais ainda, para quem quiser se aprofundar nessas vidas e histórias extraordinárias, há livros bem interessantes (sim, o tema é uma das minhas muitas manias e efetivamente li os livros, menos por “ser fã” e mais em razão de um fascínio pelas condições meio inexplicáveis que fazem brotar algo novo num lugar específico, como se uma força qualquer direcionasse certas pessoas para o mesmo ponto): “Colonel Tom Parker: The Curious Life of Elvis Presley’s Eccentric Manager” (James L. Dickerson), “The Colonel: The Extraordinary Story of Colonel Tom Parker and Elvis Presley” (Alanna Nash), “Shout, Sister, Shout!: The Untold Story of Rock-and-Roll Trailblazer Sister Rosetta Tharpe” (Gayle F. Wald), “King of the Blues: The Rise and Reign of B.B. King” (Daniel de Visé), “Last Train to Memphis: The Rise of Elvis Presley” e “Careless Love: The Unmaking of Elvis Presley” (a melhor biografia de Elvis, de Peter Guralnick), “Beale Street Dinasty: Sex, Song, and the Struggle for the Soul of Memphis” (Preston Lauterbach), “Good Rockin’ Tonight: Sun Records and the Birth of Rock’n’Roll” (Colin Escott e Martin Hawkins), “Sam Phillips: The Man Who Invented Rock’n’Roll” (também de Peter Guralnick) e “Memphis Mayhem: A Story of the Music That Shook Up the World” (David A. Less).

Por fim: se Tom Parker sugou Elvis, até que ponto ele também o criou? Não nos esqueçamos, afinal: o Elvis Presley de que mais nos lembramos hoje é o último “Elvis” talhado por Parker, aquele de Las Vegas. Elvis até poderia cantar “Suspicious Minds” para Parker (e no filme há uma cena em que essa mensagem é passada): “We’re caught in a trap/ I can’t walk out”.

“Are you ready to fly, mistah Pressssley?”