Filme com Edward Norton, na Netflix, te levará para dentro e te prenderá do início ao fim

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Feiticeiros da vida contemporânea, mágicos personificam como ninguém a imagem do sonho recalcado de uma vida diferente, melhor, mais próspera, quiçá só menos tediosa, que habita o inconsciente coletivo. Sem esforço, essas figuras capturam a atenção do público, que não tarda a se entregar e, mesmerizado, faz tudo o que lhe pede um anfitrião que abandona o sorriso fácil para se concentrar na expressão a um só tempo austera e gentil com que ludibria plateias ao redor do mundo, resistentes a princípio, mas pouco a pouco seduzidas, não obstante temam ficar nas mãos de alguém tão poderoso e pouco confiável — por mais breve que seja o número. Pelo tempo que durar a apresentação, o espectador não se importa com nada mais que deixar-se absorver pela perícia daqueles truques, cuja arquitetura não conhece, nem quer conhecer. O que interessa é mesmo a magia que domina o ambiente, vigorosa o bastante para desanuviar pensamentos tristes, pesados, cheios das humanas preocupações comezinhas do dia a dia. Entretanto, por melhor que seja o mágico, por baixo de toda aquele encanto existe um homem comum, feito os outros, que esconde na alma suas cartas mais preciosas.

Parábola sobre o quão imbricados estão entre si a arte, a religião e a política, “O Ilusionista” (2006) se presta a exaltar o valor do imaterial na existência humana, sempre plena de contradições. Neil Burger movimenta seu filme de modo a fazer da história uma sátira mais e mais aguda sobre a farsa por que as relações entre os homens são pautadas, fazendo questão de insinuar que o coração das pessoas, de todas as pessoas — até mesmo o de um rei — para se não recebe sua medida de ilusão. A ciência, a medicina, as instituições e por óbvio, a arte se esmeram em seu propósito de aperfeiçoar a natureza humana, mas a sanha predadora do homem por poder, seu desejo patológico e imorredouro de afirmar-se, de subjugar quem quer que considere mais vulnerável, de impor sua visão de mundo custe o que custar, continuam muito mais fortes que a mais elaborada das boas intenções. Com esse lado sombrio do ser humano que os bons mágicos trabalham, é a partir dele que conseguem domar um lobo que se devora a si mesmo e libertar as próprias feras.

Burger descreve uma fábula sobre o poder em suas variações mais sutis, o poder formal e aquele somente insinuado, mas igualmente dominante. Eduard Abramovicz, o prestidigitador do título, atende pelo nome de Eisenheim quando quer fazer com que seu talento nas artes ocultas seja apreciado por plateias em toda a Europa da virada do século 19 para o 20. O roteiro do diretor ancora-se no que Uhl, o inspetor-chefe de Viena interpretado por Paul Giamatti, narra em flashback. Inspirado num conto do romancista americano Steven Millhauser, ganhador do Pulitzer por “Martin Dressler — The Tale of A American Dreamer” (1996), sem edição em português, “O Ilusionista” se desdobra sobre a audácia de Eisenheim, tão perdidamente apaixonado que elabora o que desfecho comprova um plano para viver seu amor pela duquesa Sophie von Teschen, de Jessica Biel, seu amor de infância, prometida em casamento a Leopold, o príncipe herdeiro do Império Austro-Húngaro vivido por Rufus Sewell.

Edward Norton encarna o sentimento romântico do personagem central tão persuasivamente que é quase impossível não se render ao expediente diabólico que adota para consumar sua aspiração de ter Sophie só para si, alegoria que fala sem rodeios ao dom de iludir e de se deixar iludir em cada um de nós.


Filme: O Ilusionista
Direção: Neil Burger
Ano: 2006
Gêneros: Mistério/Drama
Nota: 9/10