De tirar o fôlego, thriller com Jason Statham, na Netflix, vai te deixar na ponta do sofá até o último segundo Divulgação / California Filmes

De tirar o fôlego, thriller com Jason Statham, na Netflix, vai te deixar na ponta do sofá até o último segundo

O cinema ganha ou perde com figuras como Sylvester Stallone? Depende do ponto de vista, há de responder o leitor cauteloso, e não o recrimino. Tipos como Sylvester Stallone despertam sentimentos controversos, para dizer o mínimo. Meninos que cresceram no começo dos anos 1980 eram quase aliciados pela magia por trás de Rambo, só conhecendo seu verdadeiro significado pelo menos uma década depois. Essa geração viveu de maneira muito vibrante a tomada de Cabul por tropas do Exército americano, em 2021, na esteira do 11 de Setembro, o que remete de súbito à grande parte das cenas vistas na trilogia com as peripécias do herói americano por excelência — sobretudo quando se recorta esse período, de cristalização do opulento American way of life frente à indigência do que se encontrava na União Soviética da Guerra Fria —, lançada entre 1982 e 1988. Para o bem e para o mal, “Rambo” forjou gerações inteiras de garotos, no masculino, e não só nos Estados Unidos, por evidente, mas chega uma hora que o corpo já não responde mais a tanta expectativa e é necessário reconhecer a vitória inexorável do tempo e passar o bastão.

Existe um universo de críticos que não podem ouvir falar em Sylvester Stallone e tudo o que ele representa para o cinema, leia-se a indústria cinematográfica, sendo-se ainda mais detalhista, Hollywood. Esses são os que devotam seu ódio elitista a qualquer produto (e essa é a palavra mais ajustada aqui) que lembre minimamente narrativas em que um brucutu avança com socos e chutes mortais contra uma falange de outros marmanjos dados às fanfarronices que fazem incontestável seu sangue azul no reino do cinema macho por duas horas ou mais. Como todo preconceito encerra escolhas, conscientes ou não nem tanto, os sabidos perdem boas chances de avaliar o expediente de se fazer um filme sob perspectivas inovadoras, o que também é parte de seu ofício. Definitivamente, eles não têm ideia do que estão perdendo. Para princípio de conversa, esses filmes são especialmente divertidos, e assim, sabem como poucos tocar o espectador em zonas muito íntimas, cinzentas, onde mal e bem misturam-se sem cerimônia; a partir desse fato, entende-se muito sobre como o mundo contemporâneo é como é. A forma mais fácil e decerto mais prazerosa de se compreender uma sociedade é tomando por análise suas manifestações artísticas, e aí Stallone entra metendo o pé na porta.

Gary Fleder usa “Linha de Frente” (2013) como uma boa oportunidade de se reconhecer as aptidões de Stallone como homem de cinema, competente ao migrar do proscênio para lados ocultos do expediente cinematográfico, atitude de um artista maduro e confiante de si. Aqui, replica-se a polpa de tantos e tantos dos filmes de que o ator tomou parte e roubou a cena, e seu roteiro, que se ancora no romance policial “Homefront” (2005, sem edição em português), de Chuck Logan, mas acaba por transcendê-lo. Chega a haver alguma coisa de Eastwood nele; é  possível encontrar no anti-herói Phil Broker, de Jason Statham, traços mais ou menos evidentes de Dirty Harry, um policial — ou,  como é o caso, ex-policial — que não consegue se desligar da velha vida de limpar o mundo da escória, e o publico é testemunha de que ele tenta. Como em quase toda a extensão do vasto porta-fólio de Stallone, o trabalho de Fleder se estrutura nas inúmeras subtramas sobre um homem atormentado pela morte da mulher, clichê dos clichês nesse gênero, que aproveita o pretexto de que ela o desejava longe de encrenca e vivendo num lugar pacato com Maddy, a filha dos dois, vivida por Izabela Vidovic, para dar um tempo na carreira. É justamente esse o pulo do gato na história. Statham e Vidovic estabelecem uma parceria feliz, e ainda há espaço para James Franco fazer uma participação pouco mais que afetiva na pele do traficante Gator Bodine, um vilão caricato, mas que corresponde ao carisma magnético da dupla de protagonistas.


Filme: Linha de Frente
Direção: Gary Fleder
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.