A despeito da nossa vontade, o tempo avança, não espera, não para, não volta, e talvez por isso mesmo, seja matéria de tanto valor, especialmente a partir do momento em que se percebe que boa parte da vida se foi para nunca mais e já não se pode dispor de todo o tempo do mundo. Os dias podem ser intermináveis, mas os anos, esses correm sem dó de quem quer que seja, nem daqueles que aproveitam e muito menos dos que ousam jogar o tempo fora. A afirmação de que a vida humana na Terra é curta reveste-se de algumas imprecisões. Conceito relativo, o tempo pode ser tão prazeroso quanto insuportável, tão amigo quanto algoz; o que determina a natureza que o tempo há de escolher para se apresentar na nossa presença é a maneira como o empregamos. Quanto mais nos esquecemos do tempo e fazemos o que temos de fazer, mais a vida se nos torna doce — ou menos amarga —, e menos sentido faz a máxima de que tempo é dinheiro. Tempo pode ser dinheiro, e o dinheiro compra tudo, excetuando-se o mais importante. Em outras palavras, o tempo pode ser um investimento rentabilíssimo, mas também é possível que o tempo seja só uma forma sutil de se admitir o desgosto da vida.
Andrew Niccol opta pela gasta premissa do tempo como moeda de troca e faz de seu “O Preço do Amanhã” (2011) uma coleção inenarrável de clichês e bizarrices. Todo mundo sabe que, no fundo, tudo quanto se produz no mundo é medido, em essência, pelo tempo, e o sabe há quase duzentos anos, quando Karl Marx (1818-1883) passou boa parte da vida a peregrinar de fábrica em fábrica, primeiro em sua Alemanha natal, depois na Inglaterra, para onde teve de partir num degredo forçado e doloroso, por causa do conteúdo francamente pouco dogmático de seus textos. Dentre os conceitos desenvolvidos por Marx está a mais-valia, que nada mais é que o tempo que se leva para que uma mercadoria fique pronta. É com base nesse tempo que o industrial calcula seu lucro, sustentáculo de todo o sistema capitalista. O tempo que o trabalhador gasta para produzir alguma coisa — automóveis, creme dental, arranha-céus, filmes — nunca se converte em ganho para si, mas para quem o emprega. Pano rápido.
Ficções científicas vêm se especializando em formular enredos cujo eixo central se movimenta à volta do argumento da tecnologia inicialmente a serviço do homem, mas que, num lance um tanto imprevisível do destino, torna-se sua inimiga figadal, vingando-se sabe Deus de quê. Continuo a achar que o maior dos filmes contemporâneos sobre o assunto seja “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2014), magistralmente dirigido por Alex Garland a partir de seu próprio roteiro, e quem sabe este trabalho de Garland tenha se tornado a palavra final sobre o assunto. Gastaria muitos bits ainda (e não seria perda de tempo) falando sobre Ava, a personagem de Alicia Vikander, um dispositivo de inteligência artificial, trancando um patético homo sapiens numa caixa de vidro e concreto que ele julgava ser o paraíso, mas como levo meu emprego a sério, volto ao leito. Em “O Preço do Amanhã”, Will Salas, o personagem de Justin Timberlake, parece estar em algum lugar do futuro, em que, sem trocadilhos, tempo é mesmo dinheiro — meu problema com o longa de Niccol começa aí —, tanto que as pessoas (ou alguma coisa muito próxima disso) são programadas para chegar aos 25 anos e pifarem, tendo mais um ano de aviso prévio, podendo continuar no jogo, desde que consigam meios, legais ou não, de adquirir anos de vida (?). Involuntária e injustamente implicado na morte de Henry Hamilton, vivido por Matt Bomer, um ricaço centenário — esses neo-humanos param de envelhecer aos 25 anos, lembre-se, e por essa razão, não estranhe o fato de Rachel, a mãe de Will, ser interpretada por Olivia Wilde —, dono de uma fortuna de mais um século muito bem aplicada, mas depressivo, descorçoado da vida, Will conhece Sylvia, personagem de Amanda Seyfried, filha de Philippe Weis, papel de Vincent Kartheiser, o homem mais rico do mundo, dono de um patrimônio de séculos a perder de vista. É por meio dela que os dois, Will e a própria Sylvia, encontram a verdadeira razão de seguirem vivos. Se sobreviverem à sanha de vingança do vilão Raymond Leon, de Cillian Murphy, que preferia que as coisas se encaminhassem de outro modo.
Este é o mote central do roteiro de Nicoll, eu sei, mas era-me inevitável evitar as risadas, que foram perdendo força, sempre que um personagem se referia ao preço de um produto ou serviço em unidades de tempo. A diária de uma suíte num hotel mequetrefe, por exemplo, custa um mês, e eu automaticamente pensava “um mês de trabalho, claro. Mas um mês de trabalho de quem? Do varredor de rua ou do banqueiro?”. E mais perguntas me vinham à roda do pensamento: “se só gente montada na gaita resiste, quem varre as ruas? Os menos ricos? E se entre esses houvesse os que quisessem trocar alguns anos (ou meses, sei lá) investindo num curso de confeitaria, montassem uma fábrica de bolos, a moda no comércio popular aqui entre nós, mortais, e, de uma hora para a outra, perdesse tudo? Cairiam mortos, como se tivessem apodrecido, feito uma manga? Isso para não falar de equívocos concretos, como o uso de fitas de VHS na armazenagem de um catatau dessas informações todas num futuro que, imagino, esteja ainda a anos-luz deste nosso pobre século 21, em que quase um bilhão de homens, mulheres, crianças e velhos morrem não por falta de tempo para viver, mas de fome.
“O Preço do Amanhã” vale pelas excelentes atuações de Timberlake, melhor ator que cantor, e Seyfried. A química dos dois é mesmo magnética, e haja carisma para segurar um filme como esse. Por baixo, por baixo, espero que você, como eu, dê boas risadas.
Filme: O Preço do Amanhã
Direção: Andrew Niccol
Ano: 2011
Gêneros: Ficção científica/Ação
Nota: 7/10