Coprofilia no século 21

Coprofilia no século 21

“Graciele diz que Zezé usufrui de seu bumbum.”

Digamos que o consumo e a veneração de um pote de merda duas vezes ao dia não só corrigiriam meu caráter como poderia salvar o planeta. A receita é bem simples: bastaria que tanto eu como a humanidade, criássemos o hábito de reciclar (comer) nossos respectivos produtos fecais diariamente, de preferência logo depois de o defecarmos, in natura. Ainda assim nossa fome não seria saciada. Daí que também e sobretudo consumiríamos o excedente dos cocôs das celebridades, que, além de se alimentar das próprias fezes, ainda teriam a função/privilégio de abastecer a população através de dutos que retroalimentariam o sistema como se fossem moto-contínuos de diarreia. Merda é vida.com. O problema da fome no mundo, enfim, estaria resolvido.

Anota aí, Musk. E toda vez que consumíssemos nossos cocôs ou os alheios teríamos que obrigatoriamente testemunhar nossa participação no banquete, além, é claro, de endeusar o Deus cocô e os produtores de merda diuturnamente. Beijuuuu Fatimaaaa! Todavia a merda continuaria sendo merda, parecendo com merda, fedendo a merda e tendo gosto de merda.

Infelizmente não se trata de uma distopia. A maioria dos habitantes do hemisfério ocidental, vive assim. Só que não percebeu. Ou percebeu e resolveu chamar “merda” de outro nome. O cardápio da ‘woke culture’ e seus eufemismos para “gente sem talento que caga e cancela” é farto, e parece que já dominou mentes e dementes para além da Vila Madalena esquina com Uol, é uma praga que avança com um ímpeto de destruição somente comparável ao de Vladimir Putin.

E não adianta nada produzir manás se as pessoas se habituaram a consumir merda. A questão é que merda sempre existiu, e sempre fedeu, e sempre foi o que é, merda. Até que a humanidade descobriu o poder mágico de cura e entretenimento, e o nivelamento moral e ético, e a redenção de todas as atrocidades cometidas no passado e das atrocidades que virão, pela merda.

E o maná, claro, virou ofensa para aqueles que consomem merda, tudo o que fedia agora é perfume, e tudo o que era cheiroso virou criminoso, mas a natureza das coisas continua a mesma, uma vez que os manás continuarão exalando os bálsamos mais preciosos apesar dos chiliques da galerinha woke, e a merda, ora, a merda continuará sendo merda.

Só estou escrevendo isso porque uma situação presenciada agora há pouco no supermercado, me fez lembrar de uma viagem de Uber que ocorreu mais ou menos no final do ano passado. Vamos lá, uma de cada vez.

Duas mulheres conversando sobre filhos, escola, férias de julho. E o problema todo era que a filha da mais alta não queria ir para a Disney na mesma excursão da filha da baixinha. Aí a baixinha mandou essa: “Sua filha é um pouco revoltada, amiga. Pra onde ela quer ir? Pra favela?” A alta quis dar uma de chique, e respondeu: “Valores aprendemos em casa, não é na Disney”. A baixinha foi direto na jugular: “Seu marido que o diga”.

 “Que é que tem meu marido, perua fdp?” Na sequência os leitores podem imaginar as delicadezas verbais trocadas entre as amigas, além dos socos e pontapés.

Ocorre que a briga das mulheres no supermercado me fez lembrar da tal viagem de Uber, que aconteceu em setembro ou outubro do ano passado. Imagino que associei uma coisa com a outra devido ao clima pesado que bordeja no ar, talvez por causa dos extremos que nunca estiveram tão iguais e beligerantes ou, mais provavelmente, pelo fato de que, às vezes, apesar dos pesares, as pessoas falam o que lhes dá na telha. 

E eu acredito que isso até poderia ser um contraponto saudável diante dos caminhões de merda que são despejados diuturnamente abaixo de nossas goelas. Uma reação saudável e necessária. Quer dizer, caso vivêssemos num mundo civilizado onde as pessoas não precisariam socar, matar/cancelar umas às outras pelo simples fato de discordarem de seus pontos de vista.

O motorista do Uber estava com a tevezinha ligada num desses programas de fofoca vespertinos, que reportava à passagem de uma estrela brasileira pela Europa. A moça foi destaque nas passarelas, nas casas de moda mais sofisticadas de Paris, e — se bem entendi — havia assinado contrato com uma joalheira pica das galáxias, com sede em Bruxelas.

E o motorista do Uber, nem tão ingenuamente, com o peso e o cansaço da idade, visivelmente fazendo um bico, com a percepção de quem enfrenta o congestionamento no Rio de Janeiro diariamente, enfim, cansado de bala perdida, de uma aposentadoria de merda e de toda sorte de malucos e dementes usuários de aplicativos, comentou: “mas esse canhão?”

Confesso que fiquei chocado, em primeiro lugar chocado comigo mesmo porque concordei com o comentário dele, e depois chocado porque fiquei chocado, e depois chocado por ter reprimido o meu espanto, e depois chocado por tentar alertá-lo que esse tipo de comentário poderia lhe causar problemas, e depois chocado porque não apenas tentava alertá-lo, mas o corrigia apesar de concordar com ele, enfim, entrei em curto-circuito, mais um pouco baixava a epilepsia.

Aí ele me interrompeu, e disse: “mulher gostosa e bonita era a Sonia Braga”. O cara atingiu meu queixo, senti o golpe. Como é que eu ia dizer que a Sonia Braga era um canhão? Quando fui balbuciar qualquer coisa, ele completou: “tanta mulher bonita e gostosa no Brasil, e vão mandar esse canhão pra lá? O senhor gosta de mulher?”

 “Ah, gosto muito.” “Encarava essa daí?”  Não tinha como dizer que sim, como não tem cabimento dizer aos leitores da Bula o contrário. Não bastasse o uppercut no queixo, o motorista me aplicou um xeque-mate.

Enquanto ele se divertia com a própria grosseria, e com os golpes que me aplicara, eu, ainda zonzo e cambaleante, pensava comigo mesmo: a moça não está precisando de passarela nem aqui nem do outro lado do Atlântico; por que se expor a tamanha violência?

Mas pior, mais agressivo que a demência internacional (ah, tesão pelos nossos bons selvagens…), é ser exposta a um covil doméstico de hienas que baba de raiva, e ressentimento, apesar de que, para ela, Alpha Centauri, Paris, o ódio e o ressentimento alheios, e minha opinião devem significar a mesma coisa. Ela se encontrava anestesiada/entorpecida, só Deus sabe como ainda conseguiu tirar uma onda.

A questão não é política, é médica. Ela e mais um punhado de dementes que fornecem cocô para o hospício das celebridades e sites de fofoca visivelmente precisam de orientação médica e psicológica, adoecer não é brilhar. O mesmo “mundo fashion” que até semana retrasada celebrava a magreza cadavérica de adolescentes de quatorze anos, agora resolveu explorar obesidade mórbida, mutilações, falhas cromossômicas e o diabo a quatro. Inclusão? Só se for de milhões e milhões de dólares no bolso desses sádicos e facínoras. Freak Show Fashion. Circo de horrores, pesadelo. Nisso, o uberdriver interrompeu meu pensamento: “E a madame ainda é marrenta, mandou o dedo pros paparazzi”.

É a musa woke. A Sonia Braga do século 21, foi o que pensei. O século da coprofilia e dos extremos, dos comedores de cocô completamente desorientados, cheios de orgulho, ignorância e empáfia, que só poderiam gerar esse tipo de reação: “tem gorda bonita, meu patrão, mas essa aí, só se for modelo de AVC”.

Me senti num episódio de “A vida como ela não é, mas a gente vai ter que engolir assim mesmo”.  

Na visão do motorista, porém, a vida é como bate-e-volta, é exatamente como é: “essa daí, doutor, é artilharia pesada”. Artéria entupida de torresmo causa enfarto, gordura mata. Estamos cientes, ninguém está enganando ninguém. Tem coisa que não presta mas é boa, mas tem coisa que, além de não prestar, também não orneia.

Horóscopo, por exemplo. Não presta e não orneia e faz tanto sentido quanto acreditar em terra plana ou em Super Homem lgbtqi+. Tudo bem, as velhas e decrépitas arquetipias já não dão conta do recado, concordo e assino embaixo. Mas não seria mais inteligente deixar os novos arquétipos — que entraram na incubadora woke agora! — vicejar, crescer e aparecer para somente depois virarem símbolos?

Foi isso que o uberdriver, lá do jeito dele, tentou me dizer: tão querendo colocar os símbolos na frente dos arquétipos, doutor, vai dar merda!

Também acho, e do jeito que vai ou as pessoas vão enlouquecer ou vão se matar. Bem, para encerrar. Sonia Braga foi uma das mulheres mais bonitas e gostosas que já apareceram na “vida como ela foi” e no cinema brasileiro que já era. Nesse quesito fica difícil discordar do uberdriver: “chegamos”.

“Pode me deixar logo ali no Roxy na esquina da Bolívar?”. Ele notou que eu estava no mínimo embaraçado, para não dizer perdido, perplexo, pasmado, na lona. Estacionou o carro. Olhou para trás e, antes de eu sair, arrematou sorrindo: “Um canhão, doutor, canhãozaço”.