Pensei em algumas coisas a partir de duas entrevistas. Uma de Elon Musk, e outra de um cabeleireiro que diz que vai desfilar de Bolsonaro gay na Gaviões da Fiel. A escola de samba nega que seja Bolsonaro, diz que é um personagem de ficção, mas sabemos que a intenção é provocar uma resposta truculenta do presidente e/ou filhos ou aliados ou de algum maluco que eventualmente ameace ou coloque em risco a integridade física do cabeleireiro carnavalesco. Musk falava sobre a possibilidade concreta de estarmos nos “comunicando” telepaticamente daqui a cinco anos. Na verdade, Musk trata da incomunicabilidade. Sem forçar muito a barra dá para fazer um link com a entrevista do cabelereiro, como se fosse uma extensão, ou a materialização da realidade prevista por Musk aqui e agora.
Para que Aristóteles se temos Lulus da Pomerânia?
Não é muito mais fácil e cômodo latir do pensar? A “telepatia” de Musk é isso, uma aposta na falência da comunicação verbal e escrita, ele sabe que o cérebro humano tanto pode se expandir como pode atrofiar, ele aposta nos latidos. E a intenção do carnavalesco seguida dos desdobramentos mais do que previsíveis são a prova concreta que resolvemos aposentar o cérebro e partir para a rinha, para os ganidos. O que eu quero dizer é que a realidade, os fatos, os talentos e o conhecimento são violentamente negados no caso de não se encaixarem dentro dos interesses e expectativas dos donos do canil ou da famigerada “narrativa”. Bem-vindos à 22, bem-vindos ao inferno.
Não vou mudar de assunto, mas já que estamos no inferno, e sabemos das atrocidades e as testemunhamos antes mesmo de acontecerem, queria aproveitar para fazer algumas perguntas e considerações. 1. por que não abraçar o capeta? 2. o que pode ser mais parecido com o capeta do que o futuro? 3. o que mais se assemelha com o futuro?
Ora, jovens, jovens e jovens. Juventude sempre foi e sempre será sinônimo do porvir, óbvio. Os jovens e o latido deles, ou melhor, a narrativa deles, a telepatia canina deles.
Última pergunta: como é que anda a rapaziada, ou “a galera” em 22, a meninada que, afinal, é dona da narrativa, qual é a deles?
Acredito que a “galera” — infelizmente — envelheceu antes do tempo, ou talvez tenha regredido muito no tempo, com o agravante que eles têm a tecnologia a favor (ou contra?) os próprios hormônios, sabe-se lá. Acho que o Musk sabe.
A única narrativa que lhes restou foi a corporal. Os menos evoluídos etariamente (inventei essa agora…) se expressam com o corpo que é uma extensão de seus celulares, e são tribais, eu diria quase selvagens e paradoxalmente suscetíveis, e tudo, enfim, tudo o que fira e ameace esse corpo frágil e primário (uma piadinha idiota que seja) será passível de espanto, crime e punição — leia-se cancelamento. Um cérebro livre e funcionando é a maior ameaça, o maior tabu. Um perigo para eles.
Então no lugar da liberdade, a voz de comando. O encarceramento, e a superexposição. O cérebro encolhendo e perdendo as sinapses, passando do tik tok para os emojis até chegar aos latidos. Quem, afinal, poderia encarnar tão bem o oráculo da submissão em que vivemos?
Não, Elon Musk não é oráculo. É o maestro. Quem seria o oráculo do deserto, a dona do canil? Nunca vi uma pessoa tão encarnada no espírito do tempo como essa moça, perto dela Marilyn Monroe é tão caipira quanto a Gina dos palitos de dente. Ora, quem mais senão Anitta? Quero falar sobre ela.
Antes, porém, acho que é prudente voltarmos um pouco no tempo, digamos um quarto de século atrás, quando eu também — pasmem — era jovem. Em São Paulo, na falecida Praça Roosevelt. Naquela época, o que dava um certo equilíbrio, uma vez que não tínhamos Xvideos e Pornotub, é que nossas minas, branquelas e comedoras de pizza, tinham os melhores pneuzinhos abdominais do planeta, e trepavam como se não houvesse amanhã, como se não existem espelhos e porões de tortura, digo, porões de crossfits.
Bem, deixa eu me explicar: “tô ligado” que escrever um treco desses hoje em dia é algo passível de cancelamento e punição, quiçá de um mandado de prisão expedido diretamente pelo STF. Mas quero dizer que estou me debruçando sobre uma época como se fosse um historiador ou um antropólogo, levem isso em consideração. E imaginem que vocês “a galera” estão sendo examinados cientificamente, como se fossem australophitecos-emos em transição, às vésperas de virarem neandertais telepatas (como quer Elon Musk).
Voltando, estamos em 1998/1999. Falava de gordinhas branquelas e tesudas, antes da hedionda-onda fitness. Não sei dizer se, hoje, existem mais academias de ginástica (na minha época era ginástica: nunca fiz) ou farmácias nas esquinas da vida, o páreo é duro e esquizofrênico. E a tese é a seguinte: depois de um quarto de século, existem outras prioridades além do piçirico: as mulheres, e principalmente as cariocas — melhor esquecer as gordinhas e voltar ao oráculo Anitta — preferem a self, a cenografia. Talvez, no caso das meninas do Rio, seja o reflexo de uma geração esgotada de tanta beleza e genialidade, estamos vivendo o outro lado da moeda: no lugar da beleza, a feiura orgulhosa de si, e no lugar da genialidade e das individualidades, o grotesco e a boçalidade coletiva.
As avós e bisavós da garota de Ipanema/22 gozaram tanto e produziram tanta beleza que é até compreensível que as netas e bisnetas só consigam se expressar em selfs e funks sem rede de esgoto e saneamento básico — viraram avatares de uma paisagem morta que só existe na cabeça de gringo e paulista deslumbrado. Vivemos o crepúsculo da lubrificação, a era das cloacas desérticas. Daí chegamos a Anitta, daí o sucesso da Anitta, anti-musa tropical, oráculo do deserto, a Gina de Honório Gurgel. Para que ir além disso? Por acaso o Pão de Açúcar precisa trocar de lugar com o Corcovado para virar cartão postal?