Favorito ao Oscar 2022, filme da Netflix expõe a ferida aberta da maternidade Divulgação / Netflix

Favorito ao Oscar 2022, filme da Netflix expõe a ferida aberta da maternidade

Baseado no livro de Elena Ferrante, “A Filha Perdida” marca a estreia de Maggie Gylenhaal como diretora. No filme, ela também assina o roteiro. Olivia Colman, ganhadora do Oscar de Melhor Atriz por seu papel em “A Favorita”, protagoniza Leda, uma mulher que viaja de férias para uma pequena ilha na Grécia. Lá, ela se depara com pessoas de uma mesma família vinda de Nova York. De longe, ela observa Nina, interpretada por Dakota Johnson. Uma bela mulher e jovem mãe, que certo dia perde sua filha pequena na praia. O desaparecimento mobiliza toda a ilha em busca da criança, que acaba sendo encontrada por Leda, que a devolve à mãe.

Abusando dos closes que flagram trocas de olhares constantes entre Leda e Nina, as duas personagens parecem compartilhar um segredo. Mas, óbvio, elas não se conhecem e suas histórias não possuem qualquer vínculo anterior à viagem. Elas se identificam quase que imediatamente uma com a outra, apesar da diferença de idade. E a atração ocorre por compartilharem uma dor em comum: a maternidade como uma ferida aberta e latente.

O filme propõe o encontro de duas mães e duas almas perdidas. Não é a filha que se perde. É a mulher que perde de si própria, no momento em que se torna mãe. Tudo que antes ela sabia e conhecia sobre si agora fica meio deslocado: a sexualidade, a carreira, a autonomia, o tempo e o direito sobre o próprio corpo. A mulher se torna propriedade dos filhos e há uma disponibilidade compulsória irrevogável. Uma vez mãe, não há mais caminho de volta. E a maternidade não vem sem um preço alto. Lá se vai sua paz interior e o que sobra é culpa, renúncia e dedicação sem fim.

O filme desafia o mito do instinto materno e do amor incondicional. Nem Leda nem Nina são tradicionais boas mães e, pasmem, elas são o retrato de uma maternidade comum. Sim, a maioria das mães não são excepcionais, não são santas e nem possuem uma paciência infinita. A grande massa de mulheres que se tornaram mães está exausta do papel. Por mais que amem seus filhos, às vezes tudo que uma mãe precisa é de um tempo para dedicar a si própria ou aos seus sonhos, carreira, estudos e lazer.

Olivia Colman é tão fora da curva como atriz, que eleva o nível do filme. Sua interpretação visceral e angustiante conduz, como maestro, os tons e o ritmo das emoções dos espectadores. É um emaranhado complexo de várias sensações, mas, sem dúvida, a que mais predomina é a aflição. Há uma sensação no ar de tragédia prenunciada, uma expectativa.

O filme é capaz de provocar reações diferentes em cada expectador, porque as experiências individuais e de suas relações familiares poderão interferir na maneira como a história é interpretada. Para alguns, um gatilho. Para outros, um desabafo. O filme pode, inclusive, não significar nada para muita gente. Mas para as mães, com certeza, é uma maneira poética, sensível e honesta de expor a ferida.