O filme ganhador do Oscar 2021 e disponível na Netflix que, em 12 minutos, pode mudar sua vida

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O primeiro detalhe a chamar a atenção do espectador numa animação é a tecnologia de ponta, que se impõe com violência sobre o roteiro — que, não raro, passa ao largo da imediata apreciação do público. “Se Algo Acontecer… Te Amo” não é nenhum exemplo de paradigma técnico superior numa obra de arte, muito longe disso. Porém, ao se revelar no trabalho dos diretores Michael Govier e Will McCormack a intenção de ir além de prender a audiência pelos olhos, um filme de cerca de doze minutos torna-se tão denso quanto uma franquia a respeito do assunto mais urgente do mundo.  

Apesar da curtíssima duração, Govier e McCormack não trazem um tema de fácil digestão. “Se Algo Acontecer… Te Amo” compreende uma gama de emoções, todas orbitando, em maior ou menor proporção, em volta do luto, e não um luto qualquer. Trata-se da história de um casal ainda jovem que perde a única filha aos dez anos, no atentado terrorista à escola da garota. Preferindo avançar por essa frente, a da emoção pura, e evitando a imersão em discussões mais aprofundadas a respeito de política interna, relações exteriores e fundamentalismo religioso na sociedade americana ao longo do século 21 — cujo marco inicial, segundo historiadores da magnitude do britânico Eric Hobsbawm (1917-2012), foi justamente um ataque terrorista, o que abateu as Torres Gêmeas e o Pentágono, em 11 de setembro de 2001 e deixou um rastro de quase três mil mortos —, o enredo toma ares de verdadeira peça filosófica, uma vez que é precisamente essa a função da filosofia: tentar dar ao homem alguma explicação para as muitas inquietações da alma humana, agravadas por eventos como o retratado na história. Ao tentar compreender o que se passa no espírito de cada indivíduo, valorizando justamente seu caráter de especificidade, em que cada um é responsável por suas próprias escolhas, mas, ao mesmo tempo, está sujeito às tantas vicissitudes da existência — provocadas pela natureza, pelo inesperado da vida ou pelo próprio homem —, o pensamento filosófico organiza-se a fim de dar à vida uma ideia de que tudo converge para um mesmo fim, qual seja, extrair do mundo, da interação com os outros e, por óbvio, de como processamos essas informações à luz da nossa própria visão acerca da existência, a seiva fina e nutritiva que nos permite continuar, malgrado as tragédias se sucedam ad aeternum.

Assumidamente voltados ao lírico, à poesia, os diretores trabalham com elementos que remetem à saudade, à melancolia, à tristeza profunda com literalidade. Govier e McCormack aludem à lágrima que escorre pelo rosto da mãe; fazem menção a uma mesa imensa, ainda maior devido à ausência da filha, na qual os pais tomam a refeição sem muita vontade; e se referem ao parto da menina, numa lembrança pálida de um dia de êxtase. A propósito, o uso de cores esmaecidas ao longo dos quase doze minutos — exceção feita a uma camiseta azul-celeste da criança encontrada na máquina de lavar, à bandeira dos Estados Unidos sobre o umbral do portão do colégio e ao pôr-do-sol que banha de dourado o cânion durante as férias em família ou ao lilás da noite que cai sobre a cidade — denota o aspecto nostálgico de “Se Algo Acontecer… Te Amo”, bem como o uso de sombras, que acompanham os protagonistas como que a atormentá-los, numa alusão à força das memórias, capazes de interferências severas na vida dos indivíduos: a experiência de cada um de nós é regida também pelo que guardamos acerca dos mais diversos eventos pelos quais passamos.

Outros trabalhos de animação se destacaram ao registrar a perda advinda da morte, a exemplo de “Up: Altas Aventuras” (2009), decerto o mais emblemático, com metáforas sutis e refinadas sobre a vida além-mundo, suscitadas na plateia por meio da imagem do protagonista deitado à relva com o olhar parado no firmamento. O argumento, à primeira vista simples, fala à ideia de transcendência a partir de uma imagem sóbria que apela à sofisticação mediante um raciocínio primário, de acordo com o que se dá também em outras manifestações artísticas, como “O Grito” (1893), série de quatro telas do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944), um dos maiores expoentes dos movimentos impressionista e expressionista entre o final do século 19 até meados do século 20.

Sem dúvida, outro achado do curta é a trilha sonora. Composta por King Princess, “1950” fala sobre amor e, com ainda mais ênfase, da falta de quem se ama, de cuja presença não se vai mais poder usufruir. A canção se presta a derradeiro arco dramático dos dois personagens que ficaram, e que pelo visto conseguirão superar o luto juntos, apoiando-se mutuamente. “Se Algo Acontecer… Te Amo” é um conselho a nos rememorar quanto à efemeridade da vida. E que é sempre possível — e necessário — dar às lembranças seu verdadeiro peso.