Versão inédita e misteriosa de Drácula será lançada no Brasil

Versão inédita e misteriosa de Drácula será lançada no Brasil

Em 1897, chegava às livrarias inglesas aquele que se tornaria o mais conhecido clássico da literatura de horror dali em diante: “Drácula”, romance escrito pelo irlandês Bram Stoker (1847-1912). O autor, àquela altura com 50 anos de idade, já cumulava uma carreira literária de mais de duas décadas. Portanto, o que se lia era um escritor em plena capacidade criativa, que havia cuidadosamente trabalhado durante bastante tempo na história do vampiro mais famoso de todo o imaginário ocidental. Como sabemos, “Drácula” ganhou muitas resenhas positivas logo após seu lançamento e passou a ser traduzido em diversos países mundo afora.

Um desses países foi a Suécia. Em 1899, apenas dois anos depois de seu lançamento, “Drácula” começou a ser publicado em formato seriado, como folhetim, no periódico “Dagen”. Reintitulado “Mörkrets Makter” (literalmente “Poderes das Trevas”), era apresentado como uma tradução do livro de Stoker feita por “A-e”. Os capítulos se sucederam no jornal até 1900, acompanhados de diversas ilustrações feitas originalmente para o folhetim. 

O que não se percebeu à época foi que Poderes das Trevas promovia uma expansão e uma transfiguração do romance original. Considerando o volume de texto, a narrativa sueca tinha o dobro da extensão da versão inglesa. Nesses acréscimos, foram incluídas novas cenas e personagens, implicações políticas e sociais (como as motivações protofascistas do antagonista vampírico, cujo nome nessa versão é Mavros Draculitz) e um considerável desenvolvimento de cenas constantes da edição príncipe, a edição tal como nós a conhecemos, de 1897.

Poderes das Trevas, de A-e (Ex Machina, Sebo Clepsidra e Sagarana Forlag, 500 páginas)

Esse “Drácula sueco” só foi devidamente revelado ao mundo por conta de uma aprofundada pesquisa do editor Rickard Berghorn e enfim publicado em formato de livro na Suécia em 2017, pela Aleph Bokförlag. É importante salientar que “Mörkrets Makter”, ainda que seja cronologicamente a primeira e a mais ampla, não foi a única versão nórdica do romance de Stoker. Poucos meses depois da conclusão no “Dagen”, o folhetim foi reeditado em formato resumido num outro jornal sueco, o “Aftonbladets Halfvecko-Upplaga”. Esse mesmo resumo serviu de base para uma versão islandesa da história, intitulada “Makt Myrkranna” (também “Poderes das Trevas”), publicada em 1900 com cerca de apenas 25% do tamanho da versão sueca integral. A versão islandesa, com seus cortes bruscos que desfiguram o ritmo da narrativa, apesar de ter sido descoberta antes da versão sueca, revelou-se apenas uma pálida evocação do Drácula sueco e um subproduto deste bastante resumido.

Nunca antes publicado fora da Suécia, “Poderes das Trevas” vai ganhar uma edição brasileira, graças aos esforços de quatro editoras de três países: a Ex Machina e a Sebo Clepsidra, do Brasil; a Aleph Bokförlag, da Suécia; e a Sagarana Forlag, da Islândia. A tradução está sendo executada diretamente do sueco por Luciano Dutra, brasileiro naturalizado  islandês, tradutor, editor da Sagarana e especialista em literatura nórdica. Além do texto integral de “Poderes das Trevas” com as ilustrações originais, o livro contará com prefácio de Dacre Stoker (sobrinho-bisneto de Bram Stoker) e alentada introdução de Rickard Berghorn. Num denso texto investigativo sobre a descoberta de “Mörkrets Makter”, Berghorn aponta as diferenças em relação ao texto original e as possíveis identidades do misterioso tradutor (ou tradutora) “A-e”.

Diversas dúvidas cercam “Poderes das Trevas” e o tornam uma das mais importantes descobertas literárias das últimas décadas. Não só por estender e complexificar ainda mais o “Drácula”, mas especialmente porque vários dos elementos inseridos na história e ausentes na edição de 1897 “constam de anotações deixadas por Stoker” e nunca aproveitadas no romance tal como saiu na Inglaterra. Mais intrigante ainda é o fato de estudos linguísticos recentes apontarem que muitas das passagens da versão sueca parecem ter sido de fato traduzidas de um texto originalmente escrito em inglês, levantando dúvidas sobre a hipótese central de que o editor ou o tradutor sueco “A-e” tenham simplesmente interpolado novo material no romance por conta própria.

Ao menos por enquanto, não existem indícios de que Bram Stoker tenha sabido de uma versão estendida de seu romance mais famoso, nem nada que negue ele ocasionalmente ter sido informado a respeito ou até contribuído com algum material de suas anotações. O autor, inclusive, tinha amigos na Suécia e chegou a viajar para o país nórdico no período em que escrevia “Drácula”, assim como enviou alguns de seus manuscritos para serem lidos por pessoas próximas antes da edição final que foi publicada na Inglaterra.

Fato é que Poderes das Trevas tem a fluência de um grande romance e mantém todas as características estruturais da escrita de Stoker, sendo assim um “Drácula” similar ao que os leitores conhecem, mas ainda assim bastante diferente. Será como reencontrar um velho amigo agora ainda mais maduro. Em breve, os brasileiros serão os primeiros leitores fora da Suécia a conhecerem essa obra.