Depois da pandemia, silêncios e gozos

Depois da pandemia, silêncios e gozos

A experiência da Covid-19 vem estimulando a produção de livros de ficção. Duas obras chamam a atenção: “O Silêncio”, do norte-americano Don Delillo, e “O Último Gozo do Mundo”, do brasileiro Bernardo Carvalho. O tom é de distopia para mostrar a catástrofe, porém surge também a necessidade de pensar o futuro. A narrativa de Delillo se passa em 2022. Um imenso apagão atinge os Estados Unidos na noite do Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano. Nada funciona: TV, internet, energia. O mundo para de uma hora para outra. Ou seja, é o colapso como se viu nos primeiros meses da pandemia.

Três personagens estão num apartamento em Nova York e esperam a chegada de um casal que está voltando da Europa e enfrenta um violento pouso de emergência do avião. Tudo na mesma noite. O livro traz as conhecidas obsessões de Don Delillo: caos tecnológico e paranoia da sociedade americana.

O mundo, segundo Delillo, não suporta uma interrupção brusca. Precisa se mover de imediato. Essa urgência de normalizar tudo é o mote para “O Último Gozo do Mundo”, de Bernardo Carvalho. As coisas podem estar se acabando, mas sempre vai existir alguém querendo tirar a última gota, lucrar, gozar com a tragédia.

Em 13º livro, Carvalho criou a história de uma professora de sociologia que se separa do marido pouco antes de uma pandemia. Ela perde o pai e a mãe para a doença. Ocorre uma festa no campo, uma rave, após a quarentena, e ela engravida de um rapaz que conheceu no encontro. A visão do autor é ácida e crua:

“Na falta de imunidade ao vírus, mais de um terço da população tornou-se imune à realidade. Isso ficou claro quando começaram a morrer. Era gente que saía da quarentena de cabeça erguida, decidida a não voltar atrás. Gritavam: ‘Quero minha vida de volta!’, enquanto caíam, febris, sufocando em acessos de tosse”, diz Carvalho.

Em busca de um sentido para o futuro, a professora e o filho viajam a um lugar no interior do Brasil. Lá um sobrevivente da pandemia não se lembra mais do passado e tornou-se um vidente do que está por vir. Trata-se de uma busca de horizontes para uma vida que possam ir além de silêncios e gozos destrutivos.