Pra quê escrever se ninguém lê?

Pra quê escrever se ninguém lê?

Fotografia: Correio da Manhã/Acervo Arquivo Nacional

Pra quê escrever se ninguém lê? Todo escritor já se perguntou isso na longa jornada da existência até a porta do cinema. Antigamente, no tempo em que os bichos falavam, diziam que o homem, para alcançar a imortalidade, precisava ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Isso, claro, não faz mais o menor sentido. Primeiro porque a utilização da palavra “homem”, no sentido de “humanidade”, é uma abominação aos olhos de Deus e dos homens.

Digo, aos olhos da Deusa e das mulheres. Perdão, queridas. O patriarcado está em desconstrução, mas a demolidora atrasou a obra. É que só tem homem trabalhando na bagaça e os vagabundos fazem tudo errado. Sigamos.

Ter filho é bacana e é muito gostoso de fazer, mas ele garante apenas a transmissão dos seus genes e não das suas ideias de jerico. Ideias, como peitos e bandeiras, precisam de suporte. E o livro é uma mídia arcaica e ultrapassada, mas ainda é a mais charmosa e eficiente. Discos de vinis não podem mais ser escutados, fitas de vídeo não conseguem mais ser vistas, mas o livro… ah, o livro é para sempre, como já escreveu Umberto Eco.

Já plantar árvore é uma absoluta perda de tempo e podemos pular essa parte. O ministro do meio ambiente vai dar um jeito de tacar fogo nela mesmo. O Brasil, essa pérola no sul do mundo, inventou um ministério do meio ambiente que de fato cumpre o seu papel: até o fim da gestão, metade do ambiente terá sido destruído.

Vamos, portanto, falar do livro e da arte da escrita. Escrever livro é prestigioso, pretensioso e presunçoso, mas ninguém vai ler. Desculpa dar a real pra ti. Nem se você misturar autoajuda com proselitismo político, tipo “O poder do pensamento positivo para derrotar o nazi-fascismo opressor”. Não vai vender. Você será convidado para a Flip e poderá até fazer a cidade flutuar com a força do pensamento, mas vender, não vai. Ano passado, Paraty subiu dois metros acima do nível do mar e matou três caiçaras do coração, mas a venda de livros continuou a mesma coisa.

Para virar um escritor milionário, só tem um jeito: fazer um pacto com criaturas diabólicas, como demonstram Paulo Coelho e Stephen King. Mas esse mercado também já está saturado. Baphomet, por exemplo, anda preferindo investir em startups. Acredite: eu sei.

Sucesso literário é difícil em qualquer lugar do mundo e isso não tem a ver com a habilidade do autor. Há escritores muito bons que vendem pouco e escritores muito ruins que ganham uma bufunfa quando são adaptados por Hollywood. No Brasil, país pobre e desprovido de Hollywood, a coisa é mais difícil. O escritor tem de disputar o osso com militantes, marqueteiros e a MPB. Dica: retome as aulas de violão ou, caso seu talento musical seja zero, arrume colocação no serviço público. Esse foi o caminho desbravado por grandes literatos do século 20 como Guimarães Rosa, Carlos Drummond e Andrade e Vinicius de Morais. Paletó na cadeira e oh, mar, oh vento, oh luar.

Mas este texto não é para desanimá-lo, gentil leitor, gentil leitora e gentil leitore. “Au contraire!”, como diria Balzac ajudando Proust a estacionar a charrete. Apesar das forças colossais que vão empurrá-lo para trás a cada passo do seu caminho insensato, é preciso ir em frente. Não pela glória que fica, eleva, honra e consola, mas por pura e absoluta teimosia. Escrever é insistir. Narrar é acreditar. Publicar é arriscar. Literatura é o triunfo da esperança sobre o bom senso, mas é assim que sempre funcionou. No longo prazo, os coronéis e as putas de Jorge Amado fazem muito mais pelo Brasil, pelo imaginário do Brasil, pelo futuro do Brasil, que o petardo anticapitalista audaz e de existência fugaz que acabou de sair.  

Então, escreva! Senta a bunda e escreva! Pare tudo e escreva! Olhe a lua e faça uma crônica. Olhe a rua e faça um romance. Olhe a nua e faça um poema. Pois algum dia, alguém há de encontrar o seu livro na estante e, depois de algumas horas de leitura prazerosa, poderá dizer: “Nhé… não chega a ser um Machado, mas também não foi um picareta…”