Como implantar uma ditadura

Como implantar uma ditadura

Muita gente anda marchando pela rua e implorando por uma ditadura, o que me parece algo muito cretino de se fazer. É como se alguém vivesse na Renascença, mas decidisse pedir a volta da Idade Média. Chega de Leonardo Da Vinci! Fora Michelangelo! Queremos Peste Negra! Invasão viking já!

Mas cada um é cada um e é feio julgar os outros. Ninguém sabe se o cara que pede intervenção militar caiu de cabeça no chão quando era bebê ou se ele é apenas fruto do péssimo sistema educacional brasileiro. Vai ver é um produto das duas coisas juntas, coitado. Melhor não julgar.

Seja como for, o fã da opressão pode criar uma ditadura exclusiva só para ele e experimentar o gostinho da falta de liberdade. Basta seguir esse passo-a-passo pensado especialmente para quem não curte a democracia.

Você mora num condomínio? Ótimo. Escolha o seu vizinho mais chato, sacal, impertinente, ignorante, cricri, boçal, pentelho e insuportável e o transforme em ditador absolutista. Caberá a ele — o Supremo Generalíssimo Plenipotenciário do Condomínio — estipular quem pode receber visitas, quando elas podem entrar no prédio, a que horas elas devem ir embora, quantas pessoas podem visitar por vez, quais bebidas podem ser ingeridas, qual a altura ideal para escutar música, que tipo de música deve ser ouvida e qual será a punição para quem desobedecer as regras. O Poderoso Pentelho pode inclusive, adaptar o trepa-trepa do playground e transformá-lo num pau-de-arara para os dissidentes. Tudo para o bem do Brasil, isto é, do condomínio.

Você não tem vizinho chato e nem mora em condomínio? Não tem problema. Peça para sua sogra assumir o controle absoluto da sua vida que vai funcionar do mesmo jeito. E se você acha que piada com sogra é um clichê sexista, patriarcal, de profundo mau gosto e que devia ser proibido, meus parabéns! Você já está entendendo como funciona uma ditadura: o negócio é proibir. Não gostou? Proíbe! O autor insiste? Manda descer pro play…

Esse lance de pedir ditadura é igualzinho àqueles filmes de terror onde o vilão quer conjurar um terrível demônio ancestral para conseguir o poder supremo, mas quem acaba se ferrando primeiro é ele. Marchar pela volta da ditadura funciona igualzinho, com a facilidade de não ter que desenhar pentagrama no chão e nem aprender língua morta pra fazer a invocação do mal. Basta sair marchando e pedindo golpe, feito uma barata tonta.  

Eu entendo. O país tem muitos idiotas e eles merecem ser representados na política, como qualquer outro grupo. É justo. O que eles não podem é impor a idiotia aos outros. Aí fica chato. Não importune os outros, querido liberticida: instale primeiro uma ditadura na sua casa para testar se é legal. Se você experimentar e não gostar, não perca a coluna da semana que vem: “Como fazer uma revolução”. Até lá.