Lobo Antunes sugere que Clarice Lispector pode ter plagiado Virginia Woolf

A literatura portuguesa é assim: de um lado, Caim (José Saramago, o “mau” escritor) e, do outro, Abel (António Lobo Antunes, o “bom” escritor). Na prática, quem não adora ser maniqueísta e preconceituoso? Em termos estritamente literários, Lobo Antunes é mais brilhante do que Saramago (o Harry Potter da classe média). O autor de “Caim” é mais renomado do que o autor de “Memória de Elefante” porque ganhou o Nobel de Literatura. O livro “Uma Longa Viagem Com António Lobo Antunes” (Porto Editora, 494 páginas), de João Céu e Silva, revela outra faceta do escritor: a de leitor extremamente perspicaz, quase crítico literário (e tão idiossincrático quanto qualquer outro leitor). A obra resulta de uma longa entrevista.

Lobo Antunes diz que gosta “muito” do escritor americano William Gaddis (morreu em 1998, aos 76 anos), “que escreveu só quatro livros”. O site Estante Virtual, que reúne os melhores sebos do Brasil, registra somente um livro de Gaddis em português: “Alguém Lá Fora Parado” (Editora Best Seller, 289 páginas).

Uma Longa Viagem Com António Lobo Antunes (Porto Editora, 494 páginas), de João Céu e Silva

O escritor também aprecia “os primeiros livros” de Vargas Lloas; “Três Tristes Tigres”, de Guillermo Cabrera Infante; alguns livros de John Le Carré e os “dois últimos livros” de Philip Roth (as entrevistas do livro foram feitas em setembro de 2008). Sente inveja de Lev Tolstói, Joseph Conrad e Emily Brontë, “porque são escritores que de fato espantam, que têm coisas magníficas”. De “Sapho”, de Daudet, Lobo Antunes diz que “é a história de amor mais extraordinária. Aquilo é tão bem-feito, sempre escrito à beira do mau gosto, mas sem nunca cair nele. (…) ‘Sapho’ é a história de amor que mais me emocionou”.

A uma pergunta tradicional, “que livro levaria para uma ilha deserta”, respondeu de modo espirituoso: “Se fosse para uma ilha deserta, levava livros sobre como construir barcos!”.

Da geração de escritores de sua geração, Lobo Antunes cita apenas dois que considera relevantes: Mário Cláudio e Lídia Jorge. “O mais dotado parece-me o Mário Cláudio, que é um escritor despretensioso, (…) um homem sério.”

As farpas mais afiadas ficam para o escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares, autor do celebrado “Equador”. “Aquele, o Sousa Tavares, disse: ‘Tornei-me num escritor, sou um escritor’. Não é escritor nenhum! Nunca será!”, ataca Lobo Antunes.

O escritor pisa na literatura ao dizer que Bukowski “é um excelente escritor”. Dizê-lo mediano é mais do que razoável.

Clarice Lispector e Virginia Woolf

Sobre Clarice Lispector: “‘Perto do Coração Selvagem’ é um primeiro livro magnífico, mas todo o final é igual ao da Virginia Woolf”. Lobo Antunes garante que no livro de Lispector “há frases inteiras semelhantes” ao romance da autora inglesa (deveria ter apresentado pelo menos algumas). Pode-se falar em plágio? Não. Porque Lobo Antunes não desenvolve sua “tese” de que a prosa de Lispector deriva mesmo da prosa de Woolf. O que verifica como “semelhanças” podem ser influência e inspiração. O fato é que deixou de ser “fã” da escritora brasileira.

Dos brasileiros, Lobo Antunes prefere os poetas, sobretudo Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.