Ganhador do prêmio Pulitzer de Ficção e do prêmio Nobel de Literatura, Ernest Hemingway é considerado um dos escritores mais importantes do século 20. “Por Quem os Sinos Dobram”, inspirado em sua experiência como correspondente de guerra, e publicado em 1940, é considerado sua obra-prima. Hemingway nunca escreveu um tratado sobre a arte de escrever ficção. Ele deixou, no entanto, muitas passagens em cartas, artigos e livros com opiniões e conselhos sobre a escrita. Hemingway se matou em julho de 1961, aos 61 anos. Teria usado a mesma arma do pai, que sua mãe havia lhe enviado anos antes. Em 1984, o jornalista Larry W. Phillips compilou trechos dos ensinamentos de Hemingway sobre escrita no livro “Ernest Hemingway on Writing”. O site Open Culture reuniu alguns excertos do livro de Larry com sete percepções (e alguns comentários adicionais) sobre o ato de escrever do mítico escritor americano.
Hemingway tinha um truque simples para superar o bloqueio criativo. Em uma passagem memorável de “Paris é Uma Festa”, ele escreve: Às vezes, quando eu estava começando uma nova história e não conseguia fazê-la decolar, eu me sentava em frente à lareira e espremia a casca de pequenas laranjas nas chamas, e ficava observando as fagulhas azuis que isso criava. Então ficava de pé e olhava para fora, para acima dos telhados de Paris, e pensava: ‘Não se preocupe. Você sempre escreveu antes e vai escrever agora. Tudo o que você precisa fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que você sabe’. Então eu finalmente escrevia uma frase verdadeira, e dali seguia em frente. Aí era fácil, porque sempre havia uma frase verdadeira, que eu conhecia ou havia visto ou ouvido alguém dizer. Eu descobri que se eu começasse a escrever de forma elaborada demais, ou como alguém que estivesse fazendo uma apresentação, conseguia cortar os arabescos e ornamentos, jogá-los fora e começar com a primeira frase simples, verdadeira e declarativa que tinha escrito.
Há uma diferença entre parar e naufragar. Para um progresso constante, ter uma cota diária de palavras escritas era bem menos importante, para Hemingway, que se assegurar de nunca esvaziar o poço de sua imaginação. Em um artigo de outubro de 1935, na revista “Esquire”, (“Monólogo Para o Maestro: Uma Carta de Alto Mar”), Hemingway oferece este conselho a um jovem escritor: A melhor maneira é sempre parar quando você vai indo bem e quando ainda sabe o que vai acontecer a seguir. Se fizer isso todo dia, quando estiver escrevendo um romance, você nunca ficará bloqueado. Esta é a coisa mais valiosa que eu posso lhe dizer, então tente se lembrar dela.
Tendo como base seu conselho anterior, Hemingway diz para nunca pensar sobre uma história em que você esteja trabalhando antes de voltar a ela no dia seguinte. “Desta forma, seu inconsciente vai trabalhar nela o tempo todo”, ele escreve em seu artigo na “Esquire”. “Mas se você pensar nela conscientemente ou se preocupar com ela, você vai matá-la, e seu cérebro vai estar cansado antes de você começar.” Ele dá mais detalhes em “Paris é Uma Festa”: Quando eu estava escrevendo, para mim era necessário ler outra coisa depois que eu tinha escrito. Se você continuar pensando sobre seu texto, você perde o que estava escrevendo antes de poder voltar a ele no dia seguinte. Era preciso fazer exercícios, para cansar o corpo, e era muito bom fazer amor com quem se amava. Isso era melhor que qualquer outra coisa. Mas logo depois, quando você se sente vazio, é preciso ler, para não pensar ou se preocupar com seu trabalho até que você possa retomá-lo. Eu já havia aprendido a nunca esvaziar o poço da minha escrita, mas a sempre parar quando ainda havia algo lá, na parte mais profunda, e deixá-lo voltar a se encher à noite, com as fontes que o abasteciam.
Para manter a continuidade, Hemingway tinha o hábito de reler o que ele já havia escrito antes de ir em frente. No artigo de 1935 para a “Esquire”, ele escreve: A melhor maneira é ler tudo desde o começo, todos os dias, corrigindo à medida que lê, e então seguir em frente a partir do ponto em que havia parado no dia anterior. Quando o texto ficar tão longo que você não possa fazer isso todos os dias, releia os dois ou três capítulos anteriores a cada dia; e então, a cada semana, releia tudo desde o começo. É assim que você faz tudo parte do mesmo todo.
Uma observação atenta da vida é essencial para escrever bem, segundo Hemingway. O segredo é não apenas observar e ouvir atentamente os eventos externos, mas também notar qualquer emoção provocada em você por esses eventos, e então analisá-los até identificar precisamente o que foi que causou tal emoção. Se você puder identificar a ação ou sensação concreta que a causou e apresentá-la em sua história corretamente e de forma convincente, seus leitores deverão sentir a mesma coisa. Em “Morte ao Entardecer”, Hemingway escreve sobre suas dificuldades iniciais em dominar esta técnica: Eu estava tentando escrever na época, e achei que a maior dificuldade, além de saber de verdade o que realmente sentia, mais do que o que supostamente deveria sentir, ou tinha sido ensinado a sentir, era transformar o que realmente havia acontecido em escrita; quais as coisas reais que tinham causado a emoção que experimentara. Ao escrever para um jornal você apenas relatava o que havia acontecido e, com um ou outro truque, comunicava o sentimento, auxiliado pelo elemento de atualidade que dá certa emoção a qualquer relato de algo que havia se passado no mesmo dia; mas a coisa em si, a sequência de movimentos e fatos que criou a emoção — e que seria igualmente válida depois de um ano ou dez ou, com sorte, e se você a descrevesse com pureza suficiente, para sempre —, estava além da minha capacidade, e eu estava trabalhando muito duro para chegar a ela.
Hemingway frequentemente usava uma máquina de escrever quando compunha cartas ou artigos para revistas, mas para trabalho sério ele preferia um lápis. No artigo para a “Esquire” (que mostra sinais de ter sido escrito à máquina), ele diz: Quando você começa a escrever, você tem toda a diversão, e o leitor nenhuma. Então você pode muito bem usar uma máquina, porque é bem mais fácil e você vai se divertir muito mais. Depois que você aprende a escrever, todo o seu objetivo é transmitir tudo, cada sensação, visão, toque, lugar e emoção ao leitor. Para fazer isso, você tem que trabalhar muito no que escreve. Se você escrever a lápis, terá três diferentes chances de ver se o leitor está recebendo o que você quer que ele receba. Primeiro quando você reler o texto; depois, quando estiver datilografado, você tem mais uma chance de melhorá-lo; e mais uma vez, finalmente, nas provas de impressão. Escrever algo pela primeira vez a lápis lhe dá um terço a mais de chance de aprimorá-lo. Isso significa 33,3%, o que é uma média danada de boa para um rebatedor*. E também mantém seu texto fluido por mais tempo, de forma que você possa melhorá-lo mais facilmente.
Hemingway desprezava os escritores que, como ele dizia, “nunca aprenderam a dizer não a uma máquina de escrever”. Em uma carta de 1945 para seu editor, Maxwell Perkins, Hemingway escreve: Não é por acaso que o discurso de Gettysburg foi tão curto. As leis da prosa são tão imutáveis quanto as do voo, da matemática ou da física.
*Posição do jogo de baseball.
Tradução: Cynthia Feitosa