Não há dúvidas de que é um desafio hercúleo transformar uma prosa deliberada, cheia de devaneios e abstrações, em uma história narrada de forma clara e objetiva nos cinemas. Obcecado pelo livro “Sonhos de Trem“, de Denis Johnson, o cineasta Clint Bentley, com a ajuda de Greg Kwedar no roteiro, decidiu transportar a ficção de Robert Grainer para as telas. A narrativa fragmentada e subjetiva dá espaço para um conjunto de imagens contemplativas. A verborragia cede lugar aos silêncios que dizem muito mais. Joel Edgerton, que encarna o protagonista, carrega a solidão e a melancolia que o papel exige. Will Patton conduz o longa-metragem por meio de sua narração.
Rodado em locações rurais do leste de Washington / Noroeste Pacífico, a produção contou com a colaboração da comunidade nativa para consultoria cultural e logística. Com um orçamento contido, os enquadramentos abertos e as longas cenas permitiram dar um certo ar de grandiosidade ao filme. Além disso, há um incêndio na história. A localidade utilizada para as gravações também havia passado por um incêndio de grandes proporções, e o cenário foi aproveitado para o contexto, dando textura à fotografia.
A voz em off, o ar contemplativo do filme e as cenas reflexivas, poéticas e filosóficas foram inspiradas em Terrence Malick, equilibrando a atmosfera íntima com a brutalidade do tempo em que se passa. Ambientada nas primeiras décadas do século 20, durante a expansão do Oeste dos Estados Unidos, a jornada de Grainer reflete a de muitas pessoas da época. Uma criança que não conhecia seus pais biológicos porque era passada de parente a parente, sem laços afetivos, proteção ou pertencimento. Ele era enviado conforme a condição de seus cuidadores e teve de trabalhar muito cedo, ainda criança.
Ao tornar-se adulto, vira serralheiro e ferroviário, executando trabalhos manuais exaustivos e itinerantes, precisando viajar constantemente para ganhar dinheiro. Quando conhece Gladys (Felicity Jones), pela primeira vez passa a ter noção de pertencimento, cuidado e amor. Eles se casam, constroem uma cabana à beira do lago e têm a filha, Kate. Seus momentos com a família são descritos como os mais felizes de sua vida. Mas a dureza daqueles tempos e daquele lugar específico prepara viradas dolorosas para Grainer.
As cenas das lembranças do protagonista se penduram ao longo da montagem, enquanto acompanhamos sua linha de vida. Esses retornos elípticos surgem de forma suave e onírica, permitindo que o espectador mergulhe nessas memórias sem confusão e com um certo grau de emoção e empatia. Com longos planos-sequências, profundidade e, ao mesmo tempo, closes nos momentos de intimidade, a fotografia privilegia uma linguagem atmosférica e poética. Bryce Dessner, responsável pela trilha sonora, combina textura e minimalismo, dando espaço para sons da natureza, barulhos ambientes e músicas discretas.
Comprado pela Netflix em Sundance, “Sonhos de Trem“ foi bem recebido pela crítica. É um filme contemplativo, visualmente bonito e narrativamente melancólico. Tem andamento lento, o que pode dificultar a conexão com os personagens ou prejudicar o interesse pela história, dependendo do tipo de espectador. Pessoalmente, o filme me agrada, mas não chega a ser uma história inesquecível. As atuações de Edgerton e Felicity Jones são belas, dedicadas e possuem uma química cativante. Edgerton vem sendo amplamente elogiado pelo papel. Alguns críticos consideram esta a melhor atuação de sua carreira e cogitam seu nome para a indicação de Melhor Ator no Oscar 2026. Será? Na minha opinião, acho pouco provável diante de outras atuações que vêm recebendo maior aclamação, como a de Timothée Chalamet em “Marty Supreme“, Wagner Moura em “O Agente Secreto“ e Ethan Hawke em “Blue Moon“.
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