Há histórias que resistem ao tempo não por serem perfeitamente narradas, mas por carregarem algo de indomável, uma faísca de realismo tão brutal que, mesmo passada por gerações, ainda queima. “Perdido na Montanha” se alimenta exatamente disso: da impossibilidade de esquecer. O longa, baseado na narrativa verídica de Donn Fendler, que aos doze anos sobreviveu sozinho por mais de uma semana nas profundezas selvagens do monte Katahdin, não é uma simples dramatização de um caso histórico. É, antes, um esforço quase reverencial de reconstruir um episódio que desafia tanto a lógica quanto a natureza. Produzido com sensibilidade por homens que cresceram ouvindo esse relato, e que, crianças, talvez tenham também se perguntado se sobreviveriam àquela mesma montanha, o filme dialoga com uma memória coletiva, não com um roteiro fechado. Ele convoca quem já viu, de longe, o pico nevado sob um céu de primavera; quem entende que, no Maine, floresta e lenda caminham lado a lado.
Não se trata apenas de geografia ou nostalgia. Há, no centro desse filme, uma delicada tensão entre o relato documental e a imersão dramática. A obra incorpora imagens de arquivo reais, entrevistas feitas décadas após o ocorrido, e o olhar de uma geração que acompanhou o caso por transmissões de rádio, tudo isso costurado à interpretação visceral de Luke David Blumm, que encarna Donn com uma intensidade que não se explica por talento apenas, mas por algum tipo de escuta interior. Ao seu redor, a floresta não é um pano de fundo, mas um organismo vivo que espreita, protege, testa. A presença de atores como Paul Sparks e Griffin Wallace, interpretando o pai e o irmão do garoto, solidifica o núcleo emocional da trama. No entanto, mais do que os diálogos entre personagens, são os silêncios entre as árvores, os dias sem comida e as noites sem abrigo que realmente dizem tudo. O filme não grita para comover, ele sussurra, e nos obriga a escutar.
Mas há uma camada ainda mais perturbadora e inescapável nesse relato: o inexplicável. Donn contou ter sido guiado por uma criatura, uma entidade que o protegeu de predadores e lhe mostrou como não morrer. O filme opta por não negar esse relato, tampouco o transforma em fantasia explícita. Ele o insinua, com a maturidade de quem compreende que a verdade, às vezes, se esconde onde a razão não alcança. Essa decisão de manter o extraordinário como parte legítima da narrativa, sem explicá-lo, sem zombar dele, é o que separa este filme de qualquer outro sobre sobrevivência. “Perdido na Montanha” não busca ser crível, busca ser honesto. E talvez seja por isso que, mesmo tantos anos depois, ainda ecoe. Não se sobrevive por acaso em uma das regiões mais antigas e inóspitas do planeta. Às vezes, é preciso mais do que sorte. Às vezes, é preciso ser lembrado, e, neste caso, filmado, para que se continue existindo.
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