Pedro Pascal é o novo Keanu Reeves?

Pedro Pascal é o novo Keanu Reeves?

Nos últimos cinco anos, poucos rostos povoaram o imaginário global com tamanha insistência quanto o de Pedro Pascal. De protagonista em sucessos como “The Mandalorian” (Disney+) e “The Last of Us” (HBO), a figura paterna reticente e empática que o ator chileno naturalizado americano interpreta tornou-se não apenas um arquétipo, mas um espelho sensível de um desejo coletivo: o de ver, no centro do espetáculo, alguém que sente antes de atirar, alguém que falha antes de salvar. O paralelo com Keanu Reeves não é apenas inevitável, é revelador.

Ambos partem de uma quietude que, curiosamente, não gera apagamento, mas magnetismo. Keanu, no início dos anos 2000, tornou-se ícone de uma masculinidade despersonalizada, quase espiritualizada, com “Matrix” funcionando como epítome dessa ausência luminosa. Sua economia emocional era menos escolha estética e mais ethosde época. A virada do milênio exigia homens que deixassem de berrar e começassem a desaparecer. Pedro Pascal, por sua vez, surge no vácuo oposto. Sua presença densa responde a uma era que exige afeto, transparência e falência emocional como capital simbólico.

A figura que ele encarna não é heroica. É trágica. Joel, em “The Last of Us”, não é um guerreiro. É um homem em ruínas. Seu passado não é apenas um pano de fundo narrativo, mas a própria substância da atuação. Pascal o interpreta com uma fisicalidade contida. Há dor nos ombros, hesitação no passo, uma espécie de cuidado torpe que nunca é romantizado. O mesmo se vê em “The Mandalorian”, onde sua face, quase sempre oculta por um capacete, consegue, paradoxalmente, transmitir uma interioridade palpável. Não é sobre o que se vê, é sobre o que se pressente.

Keanu Reeves também habitava essa zona ambígua entre ação e silêncio. Sua performance como John Wick é quase ritualística. Cada gesto é calculado, cada fala reduzida ao essencial. Mas onde Keanu esculpia o vazio com elegância estoica, Pascal o preenche com dor humana. Se um é o zen-budista do cinema de ação, o outro é o pai cansado da era do trauma compartilhado.

Há um termo que começa a surgir em debates acadêmicos e culturais para explicar essa tendência: “masculinidade vulnerável performativa”. É uma crítica, mas também um elogio. Porque Pascal não apenas interpreta papéis assim, ele encarna esse discurso no plano público. Sua postura em entrevistas, sua defesa explícita da irmã trans, Lux Pascal, e sua recusa a se apresentar como símbolo de virilidade tradicional o colocam no epicentro de uma mudança discursiva mais ampla. Ele não representa uma ideologia, mas se alinha com um imaginário contemporâneo onde o afeto, a escuta e a imperfeição são ativos de relevância cultural.

Seu apelo transcende as telas. Em 2023, Pedro Pascal foi eleito o “homem mais desejado da internet”, segundo diversas métricas de engajamento, incluindo Google Trends e TikTok, onde a hashtag #PedroPascal acumulou mais de 1 bilhão de visualizações. Mas o desejo aqui é estranho. Ele não é desejado apesar de sua exaustão visível. É desejado por causa dela. Há algo de reconfortante na sua falta de mistério. Pascal parece cansado como nós, triste como nós, amoroso como gostaríamos de ser.

No cinema, isso se traduz numa estética do “pouco”. Sua atuação nunca entrega demais. Ele sugere, insinua, protege com os olhos. Em “Estranha Forma de Vida”, curta de Pedro Almodóvar com estética de western queer, sua performance tem uma intensidade contida, como quem carrega uma culpa que não se nomeia. Não há ali nada de espetacular, e por isso mesmo é comovente. Pedro Pascal devolve à atuação uma dimensão quase moral. Ele se recusa a brilhar mais do que o personagem permite.

Isso exige talento, mas exige também experiência. E isso ele tem de sobra. Antes da fama, Pascal passou décadas como coadjuvante em séries como “Buffy, a Caça-Vampiros”, “Law & Order”, “The Good Wife” e “Narcos”. Ele sabe o que é não ser visto. Isso torna sua presença atual ainda mais contundente. Ele não ocupa o centro com arrogância. Ocupa com gratidão, como quem ainda pede desculpa por estar sendo notado.

Esse percurso de anonimato explica parte do fascínio que ele desperta. Num ecossistema de celebridades produzidas em laboratório, Pascal é um acidente. Seu rosto carrega rugas, marcas, olhos levemente tristes mesmo quando sorri. Ele não foi projetado para ser estrela, e justamente por isso, tornou-se uma.

A comparação com Keanu Reeves ganha outra camada aqui. Ambos têm uma relação delicada com a fama. Keanu é conhecido por andar de metrô, por comprar presentes para técnicos de filmagem, por sua discrição quase radical. Pascal, ainda que mais performativo nas redes, tem uma autenticidade palpável. Sua forma de existir em público, entre o meme e a melancolia, constrói um tipo raro de confiança com o público. Não se trata de construir autoridade pelo distanciamento, mas por uma proximidade compassiva.

E aqui entra o último pilar: a confiança. Pedro Pascal não inspira respeito pelo que diz, mas pelo que silencia. Em um tempo em que tudo parece excessivamente performado, ele parece ser. Sua ética aparece nas bordas. Nas escolhas de papel, no cuidado com colegas, na escuta que oferece. É um ator cuja confiabilidade se funda não apenas em talento técnico, mas em coerência subjetiva. Não é apenas um bom profissional. É, visivelmente, uma boa pessoa. Isso, hoje, talvez valha mais.