Refilmagem de seu próprio filme de 1997, Michael Haneke decide levar sua mensagem de forma mais abrangente ao retratá-la em inglês e com atores conhecidos de Hollywood, já que a obra anterior é austríaca. ”Violência Gratuita” é uma das produções mais incômodas, perturbadoras e provocativas do século 21. Estrelado por Naomi Watts e Tim Roth, nos papéis de Ann e George, o filme se nega a oferecer respostas fáceis aos espectadores. Em vez disso, entrega um show de sadismo e crueldade sem dissertar sobre problemas sociais ou adicionar camadas complexas aos seus personagens. Mas isso não significa que o filme de Haneke seja superficial, pelo contrário: não aprofundar causas e motivos é proposital.
O longa-metragem é uma antítese da narrativa do herói, receita clássica de Hollywood. Aqui, os personagens não passam por superação, transformação, justiça ou renascimento. Não há alívio nem redenção. Se há uma palavra para descrever o filme, é “agonizante”. Sim, “Violência Gratuita” nos leva ao limite da ansiedade, da esperança, do terror. O enredo gira em torno da família formada por George, Ann e seu filho criança, que vai passar as férias em uma casa de veraneio, cercada por belas mansões clássicas com seus proprietários abastados. O cenário parece calmo, seguro e pacífico demais para os acontecimentos que se seguem.
A casa é repentinamente invadida por dois jovens, Paul (Michael Pitt) e Peter (Brady Corbet), que transformam a família em refém e iniciam um jogo desafiador para a sanidade de qualquer pessoa. Não há apenas tortura física, que, a meu ver, é mais branda que a psicológica nesse filme. E é através dos diálogos de Paul e Peter que a verdadeira perversidade é praticada e ressoa no público, que se sente igualmente esgotado. Haneke brilhantemente traz para seus vilões frases ambíguas e desconexas, que zombam das vítimas e não oferecem explicações. Constantemente, os dois psicopatas praticam gaslighting, vilanizando as falas das vítimas, fazendo-as duvidar de sua sanidade ou razão, humilhando-as através das palavras, sempre pronunciadas com calma e absoluto domínio da conversa.
Quando as vítimas não obedecem aos seus comandos, aí sim a violência física é usada e levada ao extremo. Hannah Arendt escreveu que “o problema com Eichmann era exatamente o de muitos: não era estúpido, era terrivelmente normal”. Eichmann foi um dos principais executores do plano macabro de Hitler, chamado de “Solução Final”, para o extermínio sistemático dos judeus. Quando levado a julgamento em Israel, em 1961, Arendt, que acompanhava o tribunal, constatou: Eichmann não era um demônio, um monstro ou algum fanático manipulador. Na verdade, ele era um homem… extremamente comum, medíocre até.
Haneke parte dessa premissa de que a violência não precisa seguir uma lógica, ser engatilhada por um trauma ou fazer parte de um problema social. A violência simplesmente existe como parte da humanidade. Alguns a escolhem, enquanto outros não. E, ainda, um assassino, um estuprador, um pedófilo ou qualquer outro criminoso nem sempre tem motivos para praticar suas barbaridades, além da mera satisfação pessoal em fazê-lo. É o caso de Peter e Paul, que parecem rapazes de boas condições, educados, levam uma vida comum e não têm absolutamente nenhuma razão para praticar o mal. No entanto, o fazem.
Além disso, Haneke nos provoca, especialmente quando Paul quebra a quarta parede e interage com os espectadores, sorrindo, como se dissesse: “É disso que vocês gostam, não é mesmo?”. É da violência gratuita, da carnificina, da exposição da morte como um produto. Os filmes de suspense e ação, que mostram mortes à revelia, costumam ser enormes sucessos de bilheteria. O ser humano gosta de ver o sofrimento, mesmo que simulado nas telas.
“Violência Gratuita” é uma experiência desoladora, provocativa e incômoda. Não é para todo mundo.
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