Poucas experiências são tão complementares quanto o prazer de ler e o de assistir a um bom filme, especialmente quando o cinema se rende ao fascínio da literatura. Seja adaptando livros, retratando escritores ou mergulhando em enredos que celebram o poder da palavra escrita, certos filmes funcionam como pontes entre a narrativa literária e a linguagem audiovisual. Para quem vê nos livros mais que uma distração, mas uma forma de entender o mundo, resgatar o passado ou inventar futuros, a Netflix oferece alguns títulos que homenageiam o universo literário com afeto, inteligência e sensibilidade.
Há filmes que tratam da escrita como resistência, como em “O Eterno Feminino”, que retrata a vida da escritora mexicana Rosario Castellanos, enfrentando a misoginia com poesia e ensaios poderosos. Outros abordam a leitura como conexão afetiva e refúgio, como em “A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata”, que une moradores da ilha de Guernsey por meio de livros em tempos de guerra. Em “O Domingo das Mães”, a ficção se entrelaça ao erotismo e ao luto, revelando como o trauma e a paixão moldam uma escritora em formação. Já em “A Pura Verdade”, a literatura aparece como registro íntimo e ferramenta de compreensão da própria vida, à medida que Shakespeare enfrenta a dor pela morte seu filho.
Esses quatro filmes são mais que obras sobre livros, são histórias que encaram a literatura como ato de memória, desejo, provocação e consolo. Para o espectador que ama palavras tanto quanto planos de câmera, cada título oferece uma experiência que toca o íntimo, ao mesmo tempo em que provoca uma reflexão sobre o poder da escrita como documento do humano. Seja em cartas, romances, diários ou livros proibidos, a literatura aparece como gesto de sobrevivência e reinvenção, como se cada personagem escrevesse para não desaparecer.

Em 1924, na Inglaterra aristocrática, Jane Fairchild, empregada doméstica e aspirante a escritora, vive um romance secreto e intenso com Paul Sheringham, herdeiro de uma família rica. No dia das mães, data em que ambos estão sozinhos, já que ela é órfã e ele está prestes a se casar com outra, eles passam algumas horas juntos em um encontro carregado de desejo e despedida. À medida que o dia avança, revelações e tragédias marcam para sempre a trajetória de Jane, que usará essa memória como base para sua literatura futura. O filme alterna entre o erotismo delicado da juventude e o olhar maduro de uma escritora já consagrada, mostrando como uma única tarde pode redefinir para sempre uma vida e uma obra.

Após o devastador incêndio no Globe Theatre em 1613, William Shakespeare encerra sua carreira pública e retorna a Stratford‑upon‑Avon, sua cidade natal. De volta à casa da infância, ele confronta uma família que há muito tempo tornou‑se distante: a esposa Anne e as filhas Susanna e Judith, que guardam mágoas e segredos não ditos. A tragédia que mais o assombra é a morte do filho Hamnet, ocorrida aos onze anos, cujo impacto lança sombras sobre sua arte e sua vida interior. Enquanto tenta reparar os laços rompidos, Shakespeare revisita antigas escolhas e se vê às voltas com culpa, remorsos e fragilidades que jamais admitiu em público. Ao investigar o passado familiar, ele descobre que a versão oficial sobre a morte do filho foi encenada, a verdade oculta é mais dolorosa. Nesse retorno redesenhado às raízes, Shakespeare reescreve não seu palco, mas sua relação com o amor e o fracasso.

Na Inglaterra do pós-guerra, a escritora Juliet Ashton, em busca de inspiração para um novo livro, se depara com uma carta enviada por um desconhecido da ilha de Guernsey. Curiosa, ela decide visitar o local e conhece a excêntrica “Sociedade Literária da Torta de Casca de Batata”, formada durante a ocupação nazista como desculpa para burlar a vigilância dos soldados. À medida que se aproxima dos moradores e descobre suas histórias de resistência, perda e amor, Juliet se vê profundamente comovida, não apenas com o que ouve, mas com a força que os livros tiveram para manter aquela pequena comunidade viva em tempos sombrios. O filme entrelaça romance e memória em uma ode à leitura como abrigo coletivo e motor de afeto.

A cinebiografia acompanha a vida da escritora e ativista mexicana Rosario Castellanos, desde sua juventude marcada por silenciamentos até sua ascensão como uma das vozes intelectuais mais respeitadas do México. Entre a academia, a política e a maternidade, Rosario trava batalhas internas e externas: contra o machismo institucionalizado, contra a solidão no casamento com o filósofo Ricardo Guerra, e contra os dilemas da mulher que escreve em um mundo que não quer ouvi-la. O filme mistura cenas reais com devaneios poéticos, refletindo o tom intimista e crítico da obra da autora. Sua literatura, atravessada por temas como identidade, opressão e linguagem, é tratada aqui como instrumento de confronto e expressão visceral.