Quem nunca comprou um livro só pra compor o feed que atire a primeira edição de bolso! Em 2025, a tendência mais forte das reuniões no Zoom não foi o blazer com bermuda, mas a estante meticulosamente curada no fundo da tela. Uma mistura de cultura e cenografia digna de Oscar: Harari lado a lado com um cacto, Chimamanda equilibrando um aromatizador de ambiente, e um Atwood estrategicamente posicionado para criar aquela aura de “estou lendo sobre distopias, mas com estilo minimalista escandinavo”. Os livros viraram moodboard, background e, em casos extremos, apoio de ring light. Se você já pensou “preciso ler esse livro antes que ele seja engolido por um vasinho de suculenta”, saiba que não está sozinho.
É claro que existe aquele pequeno grupo de rebeldes, talvez você, que ainda ousa abrir os livros antes de arrumá-los por paleta de cor. Gente que não acha que “selvagem” em Mulheres que correm com os lobos é o nome de um perfume, que sabe que Torto Arado não é uma metáfora para jardinagem, e que Sapiens não é só uma alternativa intelectual a um quadro da Tok&Stok. Este conteúdo é para essas almas raras. E também, com um leve toque de ironia, para quem deseja dar sentido aos tijolos literários que sustentam a luminária de design industrial do home-office.
Então, em nome da reconciliação entre estética e conteúdo, apresentamos aqui os seis livros que não só tomaram posse das prateleiras instagramáveis, como ainda têm o mérito de serem ótimos de verdade. Ou seja: eles não só combinam com seu tapete geométrico, mas também com sua necessidade de sentido em meio ao caos do dia a dia. E, convenhamos, isso é bem mais do que se pode dizer daquela planta que você matou em 3 dias. Vamos às sinopses.

Através da voz fragmentada de uma jovem que tenta costurar sua identidade em meio ao colapso da família, a narrativa transforma a dor em ritmo e linguagem. Crescendo entre silêncios cortantes, agressões disfarçadas e afetos ausentes, a protagonista escreve sua trajetória com o corpo e as palavras, tentando dançar — mesmo aos tropeços — sobre os destroços da infância. A escrita de aparência delicada abriga uma fúria contida, que emerge em imagens vívidas e pausas estratégicas. Cada frase pulsa como se tivesse que ser dita antes que o ar acabasse. Mais do que contar uma história, o livro sugere a experiência de vivê-la na pele, como se o leitor também precisasse aprender a se despedir de algo que nunca foi inteiro.

Entre as serras da Chapada Diamantina, duas irmãs descobrem um segredo enterrado que alterará para sempre o curso de suas vidas. A narrativa, conduzida por vozes alternadas, expõe não apenas os laços íntimos entre as protagonistas, mas também a espinha dorsal de um Brasil rural onde ecos da escravidão ainda moldam destinos. A terra que cultivam com o corpo é também palco de disputas silenciosas e heranças espirituais profundas, marcadas pela presença do candomblé e pela violência estrutural. Mais que um drama familiar, trata-se de um retrato social pungente, onde a linguagem poética não suaviza as dores, mas as eleva à dignidade literária. Cada página pulsa com o peso da história e com o sopro de resistência.

Sob uma perspectiva interdisciplinar que combina antropologia, biologia, história e economia, o autor investiga como uma espécie entre muitas passou a dominar o planeta. Parte das origens do Homo sapiens, passa pela revolução agrícola e deságua na ascensão dos impérios e das religiões organizadas. A obra não se limita a explicar fatos: ela os interpreta com olhar crítico, mostrando como ficções compartilhadas, como o dinheiro ou os direitos humanos, sustentam civilizações. Em tom acessível e provocador, cada capítulo é um convite à revisão de certezas. Não se trata apenas de aprender sobre o passado, mas de refletir sobre o que ainda nos torna humanos — ou perigosamente pós-humanos. Ao final, resta menos uma resposta definitiva do que um espelho incômodo.

Nesta coleção de contos, personagens nigerianos — em sua terra natal ou na diáspora — enfrentam o estranhamento de viver entre culturas, expectativas e desigualdades. Com precisão narrativa e rara empatia, a autora explora as nuances do racismo, da misoginia, das tradições religiosas e dos vínculos familiares. São histórias curtas, mas com densidade de romance, onde cada gesto cotidiano pode revelar um abismo. Mulheres se dividem entre papéis impostos e desejos silenciados; homens se veem pressionados por modelos de poder e honra que já não os sustentam. O título, sugestivamente desconfortável, antecipa a sensação de sufocamento que atravessa os textos — ao mesmo tempo em que convoca resistência. Um livro que corta rente à pele.

Com olhar que funde a psicanálise junguiana ao encantamento dos contos tradicionais, a autora convida o leitor a resgatar a essência selvagem e instintiva da psique feminina. Ao reinterpretar mitos, lendas e narrativas de várias culturas, propõe uma reconexão com a mulher arquetípica — aquela que vive à margem das normas domesticadoras, mas em profunda sintonia com a intuição. Cada história é destrinchada com precisão simbólica, revelando camadas emocionais e espirituais sufocadas por séculos de repressão. Não se trata de um manual de autoajuda, mas de uma jornada densa e lírica rumo à redescoberta de uma força visceral. Ler este livro é como entrar em um bosque escuro e descobrir que a fera lá dentro sempre foi sua aliada.

Em um futuro próximo governado por uma teocracia autoritária, mulheres férteis são reduzidas à função de procriar para a elite dominante. A narrativa, em primeira pessoa, acompanha uma aia cuja memória resiste ao apagamento imposto pelo regime. Entre rituais opressivos e vigilância constante, ela constrói — em segredo — um relato que é ao mesmo tempo denúncia e tentativa de preservação de si. A distopia, embora extrema, ressoa com inquietante familiaridade, ao apontar como o controle sobre o corpo feminino é sempre o prenúncio de algo maior. A escrita é sóbria, mas carregada de tensão, e cada detalhe do cotidiano revela a engrenagem cruel do sistema. Um alerta político, literário e profundamente humano.