Ficção científica baseada em saga de Stephen King, com Idris Elba, está na Netflix Jessica Miglio / Sony Pictures

Ficção científica baseada em saga de Stephen King, com Idris Elba, está na Netflix

Há filmes que não são avaliados por aquilo que oferecem, mas pelo que se esperava que fossem. “A Torre Negra”, adaptação cinematográfica lançada em 2017 a partir da saga monumental de Stephen King, talvez jamais tenha tido uma chance justa. Antes mesmo de seus primeiros minutos, já carregava nos ombros o fardo das comparações inevitáveis, dos desejos não atendidos, da nostalgia literária projetada como sentença. O que se viu, portanto, não foi apenas um filme, foi o reflexo de uma frustração coletiva diante de um espelho que recusava devolver a imagem esperada.

Adaptar uma mitologia tão extensa e densa como a de “A Torre Negra” não é tarefa de engenheiro, mas de equilibrista. O universo criado por King é labiríntico, intertextual, quase místico, uma teia que se entrelaça a outros livros e se recusa a obedecer à linearidade confortável da maioria das narrativas. Ao tentar condensar esse imaginário em um único longa-metragem, a produção fez uma escolha consciente: a de abrir portas, não de mapear todos os corredores. E essa decisão, embora contestável, exige ser julgada pelos seus próprios termos, e não pela régua do que jamais prometeu ser.

A insistência em medir o filme pela régua da obra literária revelou uma crítica menos voltada ao conteúdo e mais aferrada ao culto da expectativa. Muitos detratores se fixaram na ausência de camadas, esquecendo que o projeto se propunha a ser uma síntese introdutória, não um compêndio exaustivo. Dentro de seus limites narrativos, comerciais e temporais, o filme entrega um embate simbólico eficiente entre arquétipos de bem e mal, com Idris Elba e Matthew McConaughey sustentando uma tensão magnética. A narrativa não reinventa o gênero, mas tampouco o banaliza: oferece ação enxuta, ritmo consistente e personagens que, embora esquemáticos, têm suficiente densidade para mover a trama com dignidade.

A aversão à adaptação diz mais sobre o apego à leitura idealizada do que sobre os méritos do que se viu na tela. Há uma certa rigidez na forma como se espera que livros “ganhem vida”, como se cada parágrafo devesse encontrar tradução literal, ignorando que o cinema fala outra língua. É curioso notar que parte do público, mesmo familiarizado com os oito volumes da série, soube acolher o filme sem ressentimentos. A questão não é ignorar as perdas inevitáveis de uma adaptação, mas entender que outra forma de experiência está em jogo, uma que, em vez de substituir o livro, dialoga com ele por meio de uma linguagem distinta. E para aqueles que desconheciam o universo literário, o filme ofereceu uma narrativa coesa, sem artifícios condescendentes ou diluições grotescas. Há mérito nisso.

Talvez o ponto mais revelador seja o modo como o julgamento sobre “A Torre Negra” se transformou num ritual de lamento coletivo, em que muitos pareciam mais interessados em manifestar sua decepção do que em observar o que, de fato, estava sendo proposto. O que isso revela, senão uma resistência a aceitar que adaptações são traduções, não duplicações? Há algo quase paradoxal em exigir de um filme a mesma experiência de um livro que se admira justamente por ser inadaptável. O cinema não deve ser museu da literatura, deve ser sua reinvenção possível. E nessa chave, a obra encontra uma legitimidade própria.

O que resta, então, quando se depura a análise das projeções emocionais que a cercam? Resta um filme competente, que opta pela síntese sem jamais descambar para a vulgarização. Resta uma tentativa honesta de acessar um mundo complexo por meio de atalhos narrativos que, embora breves, conservam algo da essência do original. Resta, enfim, uma experiência que não pretende ser definitiva, mas tampouco é descartável.

Em vez de uma sentença final, “A Torre Negra” parece propor um desafio: o de abandonar o impulso de julgar o que poderia ter sido, para, enfim, considerar o que efetivamente é. E talvez o maior mérito do longa esteja justamente aí, em não trair sua própria proposta, mesmo sabendo que ela jamais seria suficiente para todos. Há uma dignidade silenciosa em projetos que se sustentam mesmo quando caminham sobre a corda bamba das expectativas. E como diria o próprio Roland de Gilead, o tempo não espera os que hesitam. O mundo segue adiante. E o cinema, também.

Filme: A Torre Negra
Diretor: Nikolaj Arcel
Ano: 2017
Gênero: Ação/Aventura/Fantasia/Faroeste/Ficção Científica
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★