As redes sociais, os vídeos curtos, os textos objetivos e os resumos breves dominam a paisagem cultural contemporânea — e esse é um caminho sem volta. Nessa conjuntura, livros extensos podem parecer anacrônicos, intimidadores ou mesmo desnecessários. Entretanto, é justamente nessa densidade que reside um de seus maiores méritos. Narrativas longas continuam sendo não apenas relevantes, mas muitas vezes insubstituíveis. Ao considerar a utilidade dessas publicações, é importante definir o que se entende por “utilidade”. Num sentido amplo, algo é útil quando proporciona valor, seja por meio do conhecimento, da reflexão, da forjadura do caráter. Ao permitirem mergulhos mais profundos nos assuntos que esgrimem, livros extensos costumam ser mais úteis e perenes do que seus homólogos mais sucintos.
Ficamos de tal maneira acostumados ao falso conforto das orações assindéticas que muitas vezes acabamos por enfrentar dificuldades em manter o foco e a constância no momento em que deparamo-nos com construções semânticas menos óbvias. Certo, nem todo mundo pode dedicar uma hora diária a um único volume. Esses obstáculos não são, no entanto, capazes de invalidar a necessidade das leituras de fôlego. Neste insano século 21, desacelerar é um ato de resistência. Com a ajuda de audiolivros e dos leitores de livros digitais, mergulhar em obras mais extensas deixou de ser uma quimera. Hoje é possível devorar um livro de mil páginas em capítulos diários, sincronizando a leitura com outras atividades do dia a dia. Além disso, há formatos que dividem grandes livros em volumes menores, tornando a experiência menos intimidadora. A tecnologia, longe de ser um carrasco, pode ser uma grande aliada quanto a democratizar o acesso a essas obras.
Livros extensos oferecem o convívio prolongado com uma ideia, mas é preciso reconhecer que a qualidade de um livro não está necessariamente ligada ao seu tamanho. É o que se observa, em maior ou menor grau, nas sete publicações que elencamos, títulos que ultrapassam as duas centenas de páginas sem ir muito além do clichê, malgrado o autor tenha o condão, de aqui e ali, burilar seu pensamento em sentenças lapidares, caso do mui controverso e nada unânime “O Apanhador no Campo de Centeio” (1951), de J.D. Salinger (1919-2010). O que leva-nos a concluir que 1) homens e mulheres de gênio não são imunes a deslizes; e 2) livros, mesmo quando enfadonhos, sempre guardam lições.

Quanto mais se tem, mais se quer — e menos se consegue, e quase se perde tudo. Essa é uma das conclusões a que chega ao fim das 360 páginas de “Comer, Rezar, Amar”, uma espécie de “Odisseia”, o poema épico de Homero (928 a.C — 898 a.C.), numa versão feminista, pós-moderna, marqueteira e cheia de ritmo. Elizabeth Gilbert, a anti-heroína cuja alma tumultuosa busca um porto seguro enquanto se dedica também à fruição dos tantos prazeres da carne, obedecendo, sem se dar conta, ao carpe diem de Horácio (65 a.C. — 8 a.C.), sai de sua Nova York natal e passa por Bali, Índia e Itália apenas para que fique suficientemente claro que a verdadeira paz está bem mais perto do que imagina, em algum lugar que só ela mesma conhece. Sensível às necessidades que o mundo não é capaz de suprir, Gilbert ressalta as pequenas e grandes incoerências de uma vida que se quer extraordinária num livro despretensioso, cuja narrativa leve e pródiga de passagens reflexivas o alçou à lista dos mais vendidos do “The New York Times” por 180 semanas.
As frases:
“Você precisa aprender a escolher seus pensamentos.”
“Desista de controlar.”
“A ruína é o caminho para a transformação.”
“Seja o que for que esteja acontecendo, é exatamente o que deveria estar acontecendo.”
“Ame o que você escolheu.”

“O Segredo”, de Rhonda Byrne, é um livro de autoajuda que popularizou a chamada “Lei da Atração”, segundo a qual pensamentos positivos e desejos intensos são capazes de atrair para a vida do indivíduo tudo aquilo que ele almeja — seja sucesso, riqueza, saúde ou relacionamentos. A obra defende que o universo responde às vibrações emitidas pela mente humana, tornando-se um espelho dos pensamentos e emoções que cultivamos. Apresentado como um conhecimento oculto, agora revelado, o livro busca motivar o leitor a mudar sua perspectiva interior para transformar sua realidade exterior. Apesar de seu apelo motivacional e linguagem acessível, O Segredo é frequentemente criticado por simplificar excessivamente questões complexas da vida humana, como dificuldades socioeconômicas, doenças e traumas. Ao responsabilizar o indivíduo por tudo que lhe acontece, a obra ignora fatores estruturais, sociais e psicológicos que muitas vezes escapam ao controle pessoal. Ainda assim, o livro exerce forte influência cultural e já inspirou milhões de leitores ao redor do mundo. Seu principal mérito reside na valorização do pensamento positivo e da visualização como ferramentas para o desenvolvimento pessoal, embora sua abordagem careça de embasamento científico sólido e possa gerar frustração em leitores que não veem seus desejos realizados como prometido.
As frases:
“Você atrai aquilo em que pensa.”
“Pensamentos viram coisas.”
“A gratidão é o atalho para a manifestação.”
“Peça, acredite, receba.”
“Tudo o que somos é resultado do que pensamos.”

Em “O livro Quem Mexeu no Meu Queijo?”, Spencer Johnson tece uma parábola sobre mudanças e como diferentes perfis lidam com elas. A história se passa em um labirinto, onde quatro personagens — dois ratos (Sniff e Scurry) e dois homenzinhos (Hem e Haw) — buscam por queijo, que simboliza o que desejamos na vida (sucesso, amor, trabalho, segurança). Quando o queijo desaparece, cada um reage de forma distinta. Os ratos agem rapidamente, adaptando-se sem hesitação. Já os homenzinhos resistem, especialmente Hem, que se recusa a aceitar a mudança, enquanto Haw aprende com o processo e vai em busca de novos caminhos. Esta obra transmite a ideia de que mudanças são inevitáveis e que o sucesso depende da capacidade de antecipá-las e adaptar-se. Embora de leitura simples e linguagem acessível, o livro toca em questões profundas sobre medo, zona de conforto e autossabotagem. Seu valor está na aplicabilidade prática: serve como metáfora para o ambiente corporativo e para a vida pessoal, onde mudanças constantes exigem flexibilidade e proatividade. Contudo, alguns críticos consideram sua abordagem simplista e excessivamente voltada à lógica empresarial. Ainda assim, o livro continua sendo uma leitura inspiradora e eficaz para promover reflexões sobre crescimento e transformação.
As frases:
“Mude de queijo.”
“O que você faria se não tivesse medo?”
“Quando você supera seu medo, sente-se livre.”
“Notar pequenas mudanças ajuda você a se adaptar.”
“A vida não para.”

O livro “As 5 Linguagens do Amor”, de Gary Chapman, propõe que cada pessoa expressa e recebe amor de maneiras diferentes, categorizadas em cinco linguagens: palavras de afirmação, tempo de qualidade, presentes, atos de serviço e toque físico. A principal tese de Chapman é que conflitos e frustrações nos relacionamentos muitas vezes decorrem da falta de compreensão da linguagem emocional predominante do parceiro. A obra se destaca pela abordagem acessível e prática, com exemplos do cotidiano e orientações simples, que ajudam os leitores a identificar e aplicar as linguagens em suas próprias relações. Apesar da popularidade e utilidade do livro, alguns críticos apontam que ele adota uma visão heteronormativa e tradicional dos relacionamentos, além de carecer de embasamento científico mais robusto. No entanto, a proposta central é eficaz ao incentivar a empatia, o diálogo e a personalização das formas de demonstrar afeto. A linguagem clara e os exercícios práticos tornam o conteúdo facilmente aplicável, tanto em relacionamentos amorosos quanto familiares ou de amizade. Chapman promove uma reflexão valiosa sobre a necessidade de compreender o outro para amar melhor, reforçando que o amor é uma escolha diária. O livro é um guia útil, especialmente para casais em busca de reconexão emocional, mas não substitui o aprofundamento em temas mais complexos da psicologia relacional.
As frases:
“As pessoas dão amor da forma que gostariam de recebê-lo.”
“Sem amor, o lar se torna um campo de batalha.”
“Palavras têm poder de vida e morte.”
“O amor é uma escolha.”
“O amor é uma ação.”

“Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas”, de Robert M. Pirsig, é uma obra filosófica disfarçada de romance de viagem, na qual o autor-narrador relata uma jornada de motocicleta pelos Estados Unidos com seu filho Chris. Mais do que um simples relato, o livro mergulha profundamente na reflexão sobre a qualidade, a razão, a emoção e os modos de conhecer o mundo. A narrativa contrapõe dois estilos de vida: o clássico (analítico, técnico) e o romântico (intuitivo, estético), propondo que ambos são necessários para uma compreensão mais completa da realidade. Pirsig propõe a filosofia do “Metafísico da Qualidade”, uma tentativa de integrar razão e sentimento, tecnologia e arte, em um só paradigma. A manutenção da moto torna-se metáfora para o cuidado com a vida e a busca por sentido. O autor também relata suas experiências com transtornos mentais e a divisão de sua identidade, intensificando o tom introspectivo da obra. A crítica à alienação moderna, à educação tecnicista e à separação entre sujeito e objeto atravessa o texto. O livro desafia o leitor a questionar valores estabelecidos e a cultivar uma atenção mais profunda ao cotidiano. Sua linguagem densa e suas digressões filosóficas exigem esforço, mas recompensam com insights marcantes. Assim, Pirsig oferece uma jornada existencial tanto quanto geográfica, convidando à integração entre pensamento e vivência.
As frases:
“O verdadeiro sistema é aquele que você está usando.”
“A qualidade não é uma coisa, é um evento.”
“Você precisa se preocupar com a qualidade como um modo de vida.”
“A paz de espírito não é compatível com tensão.”
“As ideias são mais importantes do que os fatos.”

Elizabeth Bishop (1911-1979) nunca conseguiu terminar “O Apanhador no Campo de Centeio”, tamanha era a vergonha que sentia por seu autor. E, sim, o romance mais famoso de J.D. Salinger, decepciona. A narrativa é arrastada e centrada em um protagonista, Holden Caulfield, cuja constante reclamação e atitude cínica tornam a leitura cansativa. A falta de enredo consistente pode deixar a impressão de que o livro gira em círculos, sem chegar a lugar algum. Holden é muitas vezes irritante, repetitivo e pouco evolui ao longo da história, o que compromete o envolvimento emocional do leitor. Além disso, a linguagem informal e os jargões usados de forma excessiva tornam a leitura monótona. O texto parece mais uma longa lamentação do que um romance bem estruturado. A ausência de personagens secundários cativantes também contribui para a sensação de superficialidade. A obra tenta criticar a hipocrisia social, mas o faz de forma juvenil e pouco impactante. Não há um verdadeiro clímax ou resolução, o que deixa o leitor com a sensação de que o livro termina sem propósito. Em muitos momentos, parece que o autor depende apenas da “voz” de Holden para sustentar a obra. Embora seja considerado um retrato da angústia adolescente, falha em oferecer profundidade e reflexão significativas. É possível que sua fama seja mais fruto do contexto histórico de seu lançamento do que de seu real valor literário. A leitura pode ser frustrante para quem espera um desenvolvimento mais maduro ou introspectivo. Em resumo, é um livro superestimado, cuja relevância hoje é, no mínimo, questionável.
As frases:
“A pior coisa que você pode fazer é contar tudo de uma vez.”
“A maioria das pessoas nunca nota nada.”
“As pessoas nunca notam nada. Nunca.”
“Você nunca sabe aonde vai dar uma coisa quando começa.”
“Não conte nada a ninguém. Se o fizer, vai começar a sentir falta de todo mundo.”

“O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, é uma obra atemporal que transcende a classificação de literatura infantil. Através da narrativa sensível de um piloto que encontra um misterioso menino vindo de outro planeta, o autor constrói uma fábula filosófica sobre a essência da vida, da amizade e do amor. “O Pequeno Príncipe” viaja por vários planetas e encontra adultos caricaturais — como o rei, o vaidoso e o homem de negócios — que representam comportamentos e valores vazios da sociedade moderna. Através desses encontros, a obra critica a perda da imaginação, da empatia e da simplicidade com o amadurecimento. A relação entre o príncipe e a rosa, bem como a amizade com a raposa, ensina que o essencial é invisível aos olhos e que somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. A linguagem poética e simbólica confere à narrativa uma profundidade que convida à reflexão, tocando leitores de todas as idades. Saint-Exupéry propõe uma redescoberta do olhar infantil como forma de resgatar a sensibilidade diante da existência. Assim, “O Pequeno Príncipe” é uma leitura delicada e poderosa, que questiona as convenções adultas e celebra os valores mais humanos.
As frases:
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”
“O essencial é invisível aos olhos.”
“Só se vê bem com o coração.”
“É preciso suportar duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas.”
“As pessoas grandes nunca compreendem nada sozinhas.”