Talvez nenhum escritor tenha sido mais feliz em decifrar os tantos segredos de sua Terra como Philip Milton Roth (1933-2018). O autor, voz ativa e lúcida no cenário cultural e artístico — há que se pontuar essa diferença — da América de seu tempo, percebeu, com rara agudeza de espírito, em que medida a obsessão por prosperidade e hegemonia sobre as nações afeta a vida íntima e a saúde mental do cidadão comum. Roth faz esses apontamentos de forma cortante em “Pastoral Americana”, a crônica de uma família que enlouquece diante da guerra e das revoluções sociais ao longo da década de 1960.
A adaptação do romance homônimo que Roth publicara em 1997 prima por frisar como mudam os sentimentos de uma filha por seus pais, influenciada por sua visão de mundo pacifista, mas não só. Junto com “A Marca Humana” (2002) e “Casei com um Comunista” (2000), o livro compõe a aclamada Trilogia Americana, na qual o autor esgrime sobre a inexpugnável crise de identidade nacional, racismo, a praga do politicamente correto e violência em suas configurações mais diversas. Como se vai ver, uma coisa leva à outra.
Seymour Levov, o Sueco, parece um daqueles predestinados de que se ouve falar quando os tempos começam a ficar bicudos. Ex-capitão do time de futebol americano do ensino médio, Sueco abdica da carreira de atleta profissional, alista-se como fuzileiro naval e depois assume a fábrica de luvas de Lou, o pai, um judeu que radicara-se com os pais em Newark no começo do século. Sueco é o típico bom moço, exceto por ter se apaixonado por Dawn Dwyer, uma ex-rainha da beleza da escola, que além de shikse topetuda que não se dobra facilmente aos preconceitos do velho.
Numa cena na abertura, o diretor Ewan McGregor estabelece o abismo cultural entre os mundos representados por Lou e Dawn, deixando que o espectador decida o que pensar sobre a tibieza de Sueco, vivido pelo próprio McGregor, um escocês que não faz feio na pele de um personagem tão pleno de nuanças e idiossincrasias. As cerejas do bolo, contudo, são as figuras femininas, que Roth elabora como poucos. Não há aqui nenhuma mãe judia, mas a Dawn de Jennifer Connelly tem o condão de atravessar um longo caminho até que se tenha muito clara a função da personagem na história. Mais ainda que ela, Dakota Fanning como Merry, a filha de Sueco e Dawn na terceira fase, arrasta o filme para o torvelinho de sensações bastante característico da pena de Roth, cada uma vindo à superfície no momento oportuno.
McGregor recorre ao flashback que mostra Nathan Zuckerman, o famoso alter ego de Roth, recebendo a notícia da morte de Sueco nos corredores do colégio onde estudaram, pela boca de Jerry, o Levov caçula, de Rupert Evans. Malgrado breves, as aparições de David Straithairn conferem ao enredo a tensão que o roteiro de John Romano trabalha aos poucos, em sequências nas quais Merry, aos doze anos, insinua-se para o pai, uma pequena sugestão do desajuste da garota frente ao que se dá quatro anos mais tarde.
A gagueira de Merry é outro desses toques sutis de Roth acerca da índole perturbada de sua anti-heroína, e um conselho de Sueco para a filha, distorcido, trata de disparar o gatilho que faltava. Todo o resto da narrativa é um passeio pela agonia de Sueco, que de quando em quando encontra-se com uma certa Rita Cohen, cuja natureza, se real ou fantasiosa, McGregor, assim como Roth, não revela. Elementos colaterais a exemplo da trilha de Alexandre Desplat ajudam a manter o tom grave de um dos livros mais importantes do século 20, transformado numa experiência multissensorial inesquecível.
★★★★★★★★★★