Fenômeno do TikTok, romance erótico chega à Netflix

Fenômeno do TikTok, romance erótico chega à Netflix

Há um tipo de cinema que não nasce de uma inquietação estética ou de uma pulsão narrativa, mas de um algoritmo. É nesse território desidratado de densidade dramática que “Má Influência”, de Chloe Wallace, tenta se afirmar – ou, talvez, apenas existir. A obra, longe de pretender qualquer profundidade, é o sintoma de um fenômeno que tem extrapolado as fronteiras das redes sociais para moldar os contornos do audiovisual contemporâneo: a ascensão de uma lógica visual e narrativa herdada do TikTok. Rápido, previsível, teleguiado por tendências e incapaz de sustentar camadas simbólicas, esse novo cinema reproduz a aceleração cognitiva das plataformas digitais, convertendo o espectador em consumidor passivo de microafetos embalados como entretenimento.

O problema não está apenas na simplificação narrativa – embora ela seja gritante. O verdadeiro colapso está na transposição de estruturas próprias do conteúdo efêmero para o espaço que deveria demandar elaboração, fricção e amadurecimento. O filme se entrega a uma trama que poderia ser resumida em um parágrafo de fanfic genérica: um ex-presidiário com passado trágico, Eros, é contratado como guarda-costas da jovem Reese, filha de um milionário carismático. O que poderia ser ponto de partida para uma discussão sobre reinserção social, ética da proteção ou interações de classe, desmorona em um romance construído com o único propósito de fetichizar o interdito.

A narrativa não apenas evita os dilemas que propõe, como parece regozijar-se em sua própria ausência de escrúpulos. A suposta tensão entre o guarda-costas e sua protegida não opera em nenhum plano simbólico – ela se estabelece como espetáculo do proibido, embalado por uma estética “soft porn” disfarçada de conto de fadas urbano. A escolha de atores adultos para interpretar adolescentes, longe de ser uma decisão técnica, é uma artimanha narrativa para flertar com o limite da legalidade e alimentar o fetiche da transgressão permitida. O subtexto — ou melhor, a ausência deliberada dele — revela mais do que o filme está disposto a admitir: Mala Influencia não deseja questionar padrões morais, mas apenas simulá-los o suficiente para gerar engajamento.

Esse esvaziamento ético está longe de ser inédito. Séries como Elite ou Euphoria, ainda que com diferentes níveis de sofisticação, já haviam tensionado os limites do erotismo juvenil em cenários de hiperviolência e colapsos existenciais. A diferença crucial é que, enquanto essas narrativas apostavam em camadas sociológicas ou, ao menos, em dilemas simbólicos, o filme de Wallace opta por esvaziar qualquer signo de reflexão, oferecendo apenas o simulacro de profundidade. A toxicidade relacional é revestida de glamour, a desigualdade de idade é romantizada, e o erotismo é diluído em filtros de Instagram.

Nesse sentido, o filme deixa de ser apenas superficial — ele se torna cúmplice de uma estética que erotiza a juventude para consumo rápido. Há algo perversamente estratégico nessa combinação entre corpos jovens, estética publicitária e ausência de consequência narrativa. O adolescente não é personagem, é produto. A trama, por sua vez, não se organiza em torno de eventos transformadores, mas em torno de cenas “clipsáveis” — pequenos recortes de desejo embalados para viralização. A lógica é a da colagem, não da construção. O cinema se torna aqui um showroom de cenas prontas para circular em reels, desprovidas de conexão interna ou de progressão dramática.

A indiferença à coerência narrativa é acompanhada por atuações que oscilam entre o automático e o constrangido. Alberto Olmo e Elea Rochera não interpretam: desfilam. Suas performances são menos dramáticas do que posadas — como se cada cena fosse pensada para capturas de tela, não para tensionamentos emocionais. A direção parece mais preocupada em produzir frames esteticamente replicáveis do que em explorar os conflitos internos dos personagens. O resultado é uma sucessão de cenas visualmente higienizadas, emocionalmente estéreis, e dramaticamente inócuas.

Mesmo a presença de Enrique Arce, que já demonstrou solidez em papéis densos como em La Casa de Papel, é desperdiçada. Sua figura, que poderia servir como contraponto ético ou catalisador narrativo, é relegada a um papel decorativo, talvez para garantir alguma familiaridade com o público sem comprometer o foco central: o romance entre uma adolescente vulnerável e um adulto quebrado, transformado em fantasia desejável. Não se trata aqui de discutir moralismo, mas de compreender a função simbólica da representação. Quando um filme insiste em suavizar relações assimétricas e tratá-las como epopeias românticas, ele não apenas naturaliza a desigualdade, como a estetiza.

A grande tragédia de “Má Influência” não é sua má qualidade técnica — embora isso seja evidente –, mas seu total desinteresse pela arte como lugar de reflexão. O que se vê não é uma tentativa falha de narrativa, mas um produto deliberadamente esvaziado, calibrado para captar atenção imediata e desaparecer em seguida. Não há catarse, não há inquietação, não há memória. Apenas o gosto residual de algo que foi consumido rápido demais para ser digerido.

Esse tipo de entretenimento instaura uma lógica perversa: a da estética sem consequência. A performance sem verdade. A imagem sem ideia. Em um tempo em que o cinema poderia ser um dos últimos redutos de elaboração simbólica, ele se rende, aqui, ao automatismo de fórmulas que já nascem ultrapassadas. “Má Influência” não apenas confirma essa rendição — ele a celebra com brilho nos olhos e trilha sonora artificial.

Filme: Má Influência
Diretor: Chloé Wallace
Ano: 2025
Gênero: Erótico/Romance
Avaliação: 5/10 1 1
★★★★★★★★★★