Talvez tenhamos passado tempo demais tentando decifrar o código, quando a mensagem estava no silêncio. O que aconteceu com o Google Discover nas últimas semanas não foi um erro técnico, nem um tropeço no algoritmo. Foi uma escolha. Fria. Estratégica. E, talvez, irreversível.
Quando milhares de sites brasileiros — culturais, jornalísticos, científicos — viram sua audiência evaporar sem explicação, sem erro, sem aviso, o que se revelou não foi uma falha no sistema. Foi o próprio sistema funcionando com exatidão. A pergunta, então, muda: o que, exatamente, está sendo calibrado?
O Discover foi vendido como uma ferramenta de descoberta. Mas a descoberta exige risco, exige abertura ao que é novo, ao que não se esperava, ao que talvez desconcerte. Isso dá trabalho. Não converte. Não segura o dedo rolando por 12 segundos. Então a curadoria virou conforto. E o conforto virou código.
Mas o problema não é só o conteúdo leve. O problema é a reorganização secreta da superfície da internet. Há um mapa que já não mostra onde estão as vozes que investigam, que pensam, que escrevem fora do padrão. Elas não foram banidas — foram afundadas. E há algo ainda mais perverso do que a censura: o apagamento por cansaço. Por desinteresse. Por ausência de clique.
É claro que o Google não declara isso. Nem precisa. A beleza da arquitetura algorítmica é justamente essa: não precisa justificar nada. O código ajusta, o mundo obedece — e quem cai desaparece sem deixar marca, como se nunca tivesse existido.
O que está por trás, portanto, não é só uma escolha editorial disfarçada de neutralidade tecnológica. É um modelo de mundo. Um modelo que diz: só importa o que circula. Só circula o que engaja. E só engaja o que confirma o que você já pensa.
Nesse cenário, o jornalismo perde. A cultura perde. Porque quando a visibilidade é condicionada por variáveis opacas, voláteis e incontroláveis, não é apenas o tráfego que despenca — é a própria ideia de público. De espaço comum. De experiência compartilhada.
Enquanto isso, as grandes redações silenciam. Algumas por medo. Outras por conveniência. Outras porque já entenderam que lutar contra o algoritmo é como gritar contra o vento.
Mas ainda há quem grite. Quem escreva sabendo que talvez ninguém leia. Quem continue, por teimosia ou ética, a fazer perguntas que não rendem clique. Porque a alternativa — aceitar o novo normal da mediocridade otimizada — seria uma forma de morrer em voz baixa.
Não é só sobre o Google. É sobre o que a gente aceita como filtro da realidade. E sobre o que estamos deixando desaparecer — sem nem perceber.