Paul Thomas Anderson parece ter um fascínio qualquer por histórias delirantes, inverossímeis, farsescas, não raro patéticas, que chegam aos olhos e ao coração de muita gente sob a forma de verdades imperscrutáveis até o momento em que tudo começa a se desenhar de forma bem mais concreta do que se poderia supor. Girando sobre o eixo da necessidade da fundação de um mundo melhor — sem que se saiba exatamente o que viria a ser isso, nem de que maneira atingi-lo —, “O Mestre” desdobra-se como se quisesse fazer uma denúncia, ao mesmo tempo que é profundo demais para caber em tal rótulo. Diretor meticuloso, Anderson compõe um drama psicológico sobre um veterano perturbado, voltando sem rumo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), até deparar-se com o líder de uma seita pseudo-filosófica e pseudo-religiosa que o acolhe, e então nasce um relacionamento ambíguo, cheio de inclinações eróticas. Praticamente tudo está nas entrelinhas no roteiro de Anderson, hábil em mascarar o sentimento desses dois homens em meio a cenas vigorosas, nas quais tece suas sugestões, deixando que o público também opine.
O homem não abdica de suas obsessões, em muitos casos a única coisa que lhe sobra ao cabo de toda uma vida de desilusão, sonhos frustrados e medos que refugiam-se nos meandros mais intrincados da alma, não se dão por vencidos e voltam à carga sempre que notam uma instabilidade qualquer, como um vírus oportunista que ataca seu hospedeiro ao menor sinal de baixa no sistema imunológico. Anderson abre seu filme com a sequência que mostra Freddie Quell a bordo de um navio da Marinha dos Estados Unidos pouco depois dos Aliados terem batido o Eixo. Quell lagarteia na gávea da embarcação ao passo que os outros tripulantes permanecem no convés, deixando claro seu desajuste, que o diretor-roteirista faz questão de realçar ainda em lances durante os quais o marujo aparece numa roda de conversas impublicáveis com outros subalternos, masturbando-se depois de ter se esfregado contra a escultura de uma mulher na praia. Ninguém fica admirado quando se envolve numa brincadeira estúpida que termina em morte enquanto trabalhava numa plantação de repolho na Califórnia, despista as autoridades escondido num barco de luxo.
O iate pertence a Lancaster Dodd, que pretende fundar a Causa, um grupo de estudos literários acerca das obras mais importantes já escritas, o gancho de que Anderson se vale para juntar essas dois espíritos alquebrados. Longe de entregar Quell à polícia, Dodd o convida a seguir com ele para Nova York, atravessando o Canal do Panamá, para celebrar o casamento de sua filha, e partindo desse ponto o diretor começa a esclarecer aonde deseja chegar. Não é necessário ser gênio para se deduzir que Lancaster Dodd é um perfil nuançado de Lafayette Ronald Hubbard (1911-1986), mais conhecido como L. Ron Hubbard, ou ainda LRH, e que a Causa refere-se à Cientologia, o conjunto de crenças e práticas de autoajuda a que queria conferir algum lastro de verdade. Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman (1967-2014) dominam essa vontade de Anderson e a narrativa vai num crescendo, mirando os delírios de Quell, a megalomania de Dodd e toda as demais configurações de loucura presentes no que veio a se tornar a religião, mas não só nela. Sim, “O Mestre” é um filme pretensioso. Felizmente.
★★★★★★★★★★