Sempre haverá episódios sobre os quais pouco se sabe — ou sobre os quais não se sabe tudo — envolvendo a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A Segunda Guerra continua sendo o saco sem fundo da História, como ratifica “A Grã-Bretanha e a Blitz”, o documentário encomendado pela Netflix à 72 Films, braço da Fremantle especializado em produções históricas e biografias. No decorrer dos 78 minutos, o público fica impressionado com a pesquisa minuciosa, aliada ao apuro estético, necessário para que se recuperassem cerca de oito mil horas de filmagens originais, sobre as quais foram reaplicados cores e som num esforço artesanal, mas que exige tecnologia de ponta.
Rigorosa, a direção de Ella Wright prima por apresentar o ponto de vista de quem tomou parte na resposta da Grã-Bretanha aos incessantes bombardeios a Londres pela Luftwaffe, a força aérea da Alemanha nazista, entre 7 de setembro de 1940 e maio de 1941, massacre que resultou na morte de 43 mil moradores da capital inglesa e deixou feridos outros cinquenta mil. A sequência dos fatos, evidentemente, leva a crer que a reação dos londrinos há de ser o fio condutor da narrativa, porém até que venha o contra-ataque, Wright expõe o sofrimento de seus compatriotas, perdidos enquanto um líder pensava no que fazer.
Declarar-se guerra contra quem quer que seja nunca é uma decisão fácil, mas é, muitas vezes, a única decisão a se tomar, a fim de se evitar a desonra, que, conforme ensina Winston Churchill (1874-1965), primeiro-ministro do Reino Unido quando da Segunda Guerra, encarniça-se de um povo que não encampa as causas pelas quais se deve combater. Em muitas ocasiões, foi por meio de confrontos bélicos que a humanidade conheceu seus grandes heróis, homens e mulheres que se tornaram personalidades graças a uma atuação de coragem memorável ao longo de uma série de enfrentamentos entre exércitos. Edith Heap é uma dessas figuras, e não é sem motivo que Wright dedica-lhe tanto espaço.
Heap, uma técnica de controle aéreo da RAF, a força aérea britânica, converte-se numa narradora capaz de provocar emoções sinceras e inesperadas e guiar a atenção do espectador para os depoimentos dos moradores de East End, um dos bairros mais atingidos, bem como sublinhar a vacilação de Churchill diante da necessidade de abrir o metrô à classe operária, para que fugissem dos petardos, talvez seu maior equívoco, reparado, ainda que tardiamente e à custa de expedientes nebulosos — a série documental “Churchill em Guerra” (2024), de Malcolm Venville, esmiúça este e outros tantos momentos do duque de Marlborough, ou, como preferia em tempos de crise, Coronel Warden, seu codinome de guerra.
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) fora a grande responsável por ratificar a hegemonia americana e os Estados Unidos se firmaram como a maior potência bélico-econômica do mundo desde então. Passados mais de vinte anos do fim da Grande Guerra, Churchill e gente comum feito Edith Heap fizeram do Reino Unido uma fortaleza tão inaudita quanto indevassável, depois de Neville Chamberlain (1869-1940) ter sido obrigado a abandonar o governo, em maio de 1940, para morrer de câncer no intestino seis meses depois, em 9 de novembro daquele ano. Como se vê, Deus tem mesmo seus preferidos.
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