Tempo perdido é tempo gasto com gente ruim

Tempo perdido é tempo gasto com gente ruim

Tempo bom, sujeito a pancadas de chuva na minha horta. Em matéria de lama, cada gota que finca a poeira do chão me conclama, me importa. Já faz tempo que estou voltando ao pó, seja dando a cara a tapa, seja chorando atrás da porta. Sobram lágrimas, no entanto, há uma escandalosa escassez de água nas plagas do planeta. A falta de empatia tem provocado a desertificação dos corações humanos. De tal sorte que sinto uma inconteste vontade de chorar. De onde vinha aquele antigo, injustificável medo da chuva? Confesso ter colocado ovo para Santa Clara no alto do muro. Eu juro: já fiz dança para a chuva parar de cair. Puro programa de índio. Hoje eu não danço mais. Hoje eu não reclamo mais da chuva. Tempo ruim é tempo que passa. Contemplo um horizonte meio morto com um conglomerado de nuvens gorduchas, quase tácteis, que não parecem mais melancólicas do que um ordinário dia de sol. Claves de sal temperam uma pauta vazia, desenhada sobre a areia que eu rabisco com os próprios pés. Hoje vai dar praia. Mesmo que chova, hoje vai dar praia. Ao contrário do que eu fizera, o mar jamais reclama. E a chuva tem lá as suas razões de querer cair sobre um volume formidável de água salgada e de lavar as mágoas de todos os homens da Terra. Desterrado, fiz, um dia, certas preces mequetrefes que de nada serviram, senão para esgotar a minha cota pessoal de fanatismo. A melancolia dos fanáticos independe das previsões meteorológicas. Meto os pés pelas mãos. É apenas o que me resta. Réstias de esperança entram-me como flashes de luz pelos flancos. Um amor um tanto manco deambula nas searas do meu dentro. Concentro-me no paradigma de que o maior fenômeno psíquico possível ao ser humano é se sentir solitário no meio de uma fragorosa multidão de aflitos, com gente de tudo quanto é lado. Encadeio os pensamentos, deságuo. Corrompo o tempo, mas, as horas, vadias desde sempre, não se entregam. A chuva depreende o meu drama silente, doma os meus olhos e os meus ouvidos com o hipnótico tilintar dos pingos sobre uma calha de zinco. Finalmente, nos vincos de mim mesmo, nos encontramos. Eu. A chuva. O tempo. A falta de tempo, o ocaso e o desalento. Termino acometido pelo desejo me enlamear de novo com o impregnante barro da meninice que já vai longe. Tempo perdido é tempo gasto com gente ruim. Não caio mais nessa esparrela. Caio na gandaia de ficar em paz comigo, de ser comido pelos suaves caninos da música, de embriagar as taças de vinho com o desalinho da minha sede de justiça, sob uma chuva mansa, desejada, que pulveriza o gramado, como se, de fato, ela esperasse que eu me sentisse amado.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.