7 romances que contêm mais filosofia do que muito manual de Kant

7 romances que contêm mais filosofia do que muito manual de Kant

A vida do homem é perpassada por tragédias desde o princípio dos tempos, e a especulação de como certos episódios poder-se-iam ter dado, mais que delirante, chega a ser apenas pueril em algum momento. Trancamo-nos no mais fundo de nós mesmos, fechando os olhos à realidade, que quase sempre insuportável, inspira-nos justamente esse gosto pela fantasia, um lugar mágico, impenetrável, onde mora a certeza de que nenhum pedaço da feiura da vida nos há de afligir. Passa-se muito tempo até que nos persuadamos da necessidade de se aceitar a vida como ela é, para que vençamos o cansaço, o desalento, o enfaro de tudo e consigamos fazer da revolta, a última borra do tacho, um capital realmente valioso.

Efemérides políticas e sociais não raro são tomadas à luz de genuínos enigmas: nada do que vai ali tem o menor significado, a não ser por seu aspecto grandiloquente de festa, edulcorado pela presença de fanfarras, de discursos persuasivos em tom pomposo, de homens em uniformes respeitáveis. Mas mesmo as melhores festas não duram para sempre. O Iluminismo poupou a humanidade de dissabores muito mais funestos do que aqueles com os quais nos confrontamos ainda hoje, e os ideais de pensadores como Voltaire (1694-1778) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) só pôde florescer, com mais sucesso ou menos, graças a quem tornou habitável um terreno repleto de perigos.

Considerado um dos pais da filosofia, o grego Aristóteles (384-322 a.C.) dedicou a vida a fim de provar que de tudo, rigorosamente tudo na vida, se tira uma lição de que nunca vai se poder prescindir no intuito de se dar à própria vida a natureza de beleza e harmonia que a existência humana deve ter. Aristóteles, como um dos mais importantes patronos do saber filosófico, logo compreendeu que a filosofia mesma tem uma ascendência, que o entendimento acerca dos inumeráveis mistérios da vida não caem do azul, simplesmente. Chegou à conclusão de que sobre toda ciência, acima de todo o conhecimento do homem, paira um conjunto de domínios a respeito de todas as áreas do raciocínio: a metafísica, isto é, a substância incorpórea que transcende a carne.

A metafísica toma a ciência como um organismo inteiro, sem diferenças entre saberes particular e universal. Houve muitos antes dele e muitos outros que, corajosamente, defenderam seu legado. Um dos expoentes mais vultosos do Iluminismo, o alemão Immanuel Kant (1724-1804) é uma das figuras que melhor representam Aristóteles e o que o Estagirita fez pelo pensamento ordenado. Segundo Kant, a razão não é capaz de compreender todas as variegadíssimas esferas da vida humana, o que significa que o homem é a um só tempo seu senhor e seu carrasco e, esticando-se um pouco a longa corda do raciocínio filosófico, chega a emular Deus não em uma, mas em diversas circunstâncias durante sua vida, plena de momentos insanos cuja relevância só ele mesmo pode medir.

Na lista abaixo, constam sete exemplos de como a literatura consegue alcançar o idealismo transcendental kantiano, valendo-se das construções marcadas por lirismo e análise metódica do indivíduo e da sociedade contidas no romance. A leitura de “O Homem sem Qualidades” (1932), de Robert Musil (1880-1942), é o primeiro movimento de uma caminhada longa pela paisagem caótica de um espírito em perene desajuste, vivendo num mundo em que objetividade é o requisito básico para se desfrutar de uma vida plena. E da mesma maneira que é impossível banhar-se duas vezes nas águas de um mesmo rio, ninguém lê duas vezes o mesmo livro: uma impressão sob medida para definir “Perto do Coração Selvagem” (1943), de Clarice Lispector (1920-1977), a esfinge que há de continuar devorando leitores pelos séculos dos séculos, amém. Os títulos seguem elencados por ordem alfabética.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.