Crônica

Salmo de um pagão, de número 69 — dr. Alonso Monteiro da Silva

Salmo de um pagão, de número 69 — dr. Alonso Monteiro da Silva

Um médico boêmio, um jardineiro tardio, um humanista convicto. Alonso Monteiro da Silva viveu como poucos ousam: entre a leveza das madrugadas e a gravidade da Medicina, sem jamais perder a integridade. Descobriu lesões que salvaram vidas, fundou instituições, acolheu pacientes com afeto e colegas com riso. Preferia estar presente a ser lembrado — e, mesmo assim, é inesquecível. Viveu 69 anos, mas carregava séculos nos olhos. Esta é uma homenagem a quem transformou a existência em arte imperfeita e inteira.

A certeza da incerteza

A certeza da incerteza

Muito se fala sobre os dilemas da adolescência, mas pouco se discute o que acontece quando um adolescente simbólico ocupa o cargo mais poderoso do planeta. Com atitudes impulsivas, vaidade exagerada e um desprezo quase divertido por consequências, Trump encarna o arquétipo do jovem mimado com poder demais nas mãos. Seus decretos performáticos, suas falas narcisistas e sua relação com o espelho sugerem mais um garoto entediado do que um estadista. Em vez de governar, ele joga — com o ego, com o país, com o mundo. A economia reage com espanto, os analistas se confundem, e a única certeza parece ser a incerteza.

Tempo perdido é tempo gasto com gente ruim

Tempo perdido é tempo gasto com gente ruim

Tempo bom, sujeito a pancadas de chuva na minha horta. Em matéria de lama, cada gota que finca a poeira do chão me conclama, me importa. Já faz tempo que estou voltando ao pó, seja dando a cara a tapa, seja chorando atrás da porta. Sobram lágrimas, no entanto, há uma escandalosa escassez de água nas plagas do planeta. A falta de empatia tem provocado a desertificação dos corações humanos. De tal sorte que sinto uma inconteste vontade de chorar.

Orçamento secreto

Orçamento secreto

Na casa deles, o arroz e o feijão viraram artigo de luxo. Para comprar, só com emenda aprovada. O orçamento doméstico acabou — agora tudo funciona como no Congresso. Playstation, maquiagem e Coca-Cola já foram liberados com voto unânime dos filhos. A mãe, sem cartão e sem comida, ficou com o discurso. O pai se elegeu presidente da Comissão das Emendas numa sessão extraordinária de domingo. Transparência? Só se for no rótulo da Coca-Cola. Bem-vindo ao Orçamento Secreto em versão família.

O estranho caso do brasileiro que chega na hora

O estranho caso do brasileiro que chega na hora

Pontualidade, no Brasil, é quase um ato de rebeldia. Eu, por algum motivo obscuro, ainda insisto em chegar na hora. Não é por virtude — é costume, talvez teimosia. E, por causa disso, me vejo sempre na posição ingrata de quem espera. Espera pessoas, espera reuniões, espera o país entender o conceito de relógio. Enquanto isso, finjo que não estou irritado — mas estou.