A morte chega sem aviso, e essa constatação serve de gatilho para um último e desesperado esforço de resolução. O passado, marcado por separações, orgulho e omissões, ressurge quando três irmãs se reúnem em um apartamento para acompanhar os momentos finais do pai em “As Três Filhas”. O filme, que revisita Anton Tchekhov sob uma nova ótica, transcende a simples releitura da peça do dramaturgo russo ao explorar, com minúcia, a complexa dinâmica familiar que permeia gerações.
Azazel Jacobs, diretor e roteirista, transpõe o universo tchekhoviano para os dilemas contemporâneos sem diluir as angústias universais do início do século 20. O filme propõe um diálogo entre épocas, ressaltando que, embora o contexto mude, os conflitos essenciais do ser humano persistem. No entanto, sua abordagem não se limita à fidelidade temática: Jacobs imprime um olhar incisivo sobre as particularidades da modernidade, tornando sua obra pungente e imediata.
Desde a cena de abertura, Katie surge com um ar professoral, insinuando uma hierarquia entre ela, Christina e Rachel – sendo esta última a mais deslocada do trio. Enquanto conversam sobre um assunto crucial, no quarto ao lado, Vincent, o pai, agoniza. Esse instante condensa a espinha dorsal do filme: a iminência da morte como catalisadora de verdades inadiáveis.
As diferenças entre as irmãs emergem em camadas. Katie, mãe de uma adolescente, encara a maternidade como um desafio contínuo; Christina, por outro lado, ainda desfruta da fase idealizada da criação dos filhos. A palavra “maternidade” atravessa a narrativa como um espelho das relações familiares, refletindo tanto as falhas de Vincent quanto os dilemas das filhas.
O ponto de inflexão ocorre quando um detalhe revelador sobre Rachel vem à tona. Natasha Lyonne, já em evidência ao longo da trama, domina completamente o filme a partir desse momento. Sua personagem, vista como o elo perdido da família – solteira, viciada em maconha e sustentando-se por meio de apostas online – simboliza a falência moral e afetiva daquele núcleo. Conforme Jacobs desvela as fissuras dessa casa sufocante, o espectador mergulha nas misérias íntimas das personagens de Carrie Coon e Elizabeth Olsen.
No desfecho, Vincent oscila entre a consciência e o transe, preparando-se para o inevitável. Sua despedida, interpretada por Jose Febus, sintetiza a melancolia do filme: muitas vezes, as pessoas só se dão conta do que realmente importa quando já é tarde demais. Mas, afinal, tarde ainda é melhor que nunca.
★★★★★★★★★★