É cada vez mais difícil tentar prever até onde vai chegar a inteligência artificial e todas as falsas urgências de que a encarregamos sem trégua. Tanto que não é nenhum absurdo vislumbrarmos uma humanoide que assume perfeitamente as formas de uma mulher nota dez virar a cabeça de um pai de família e assim trazer a desgraça para o seio de um lar outrora feliz, premissa de “Alice: Subservience”, a ficção científica nada original de S.K. Dale. Os roteiristas Will Honley e April Maguire inspiram-se em grandes sucessos do cinema a fim de contar a história da Alice do título, que chega a casa de Nick sem forçar qualquer situação, frise-se. O diretor recorre à química explosiva entre Megan Fox e um astro que desponta em Hollywood depois de um rumoroso thriller erótico para levar a termo seu longa, perdendo-se aqui e ali em meio ao desejo de abraçar temas diversos em sóbrios 106 minutos.
Nick parece ter tudo, mas conforme o enredo vai se desenrolando, o espectador nota que nem tudo que reluz é ouro para ele. Na introdução, Dale abusa de sequências em tons de azul petróleo e cinza da fotografia assinada por Daniel Lindholm para situar quem assiste na solidão do protagonista, presa de uma melancolia crescente desde que Maggie, a esposa vivida por Madeline Zima, fora hospitalizada para tratar uma doença grave. Cuidando dos afazeres domésticos sozinho, saem ele e a filha única, Isla, para um passeio despretensioso e acabam se deparando com uma feira de tecnologia na qual são vendidos robôs que emulam as feições humanas e que obedecem a qualquer ordem. A aproximação entre Nick e a androide feminina é uma das partes mais estimulantes de todo o filme, embora o diretor quase consiga acabar com o encanto ao sublinhar ostensivamente a beleza insinuante de Fox, como se só isso fosse o bastante para explicar o que se dá mais tarde.
A interação entre Isla, numa interpretação convincente e adorável de Matilda Firth, e a robô decerto garante momentos de providencial ternura na aridez de que a narrativa se reveste, malgrado nada jamais seja discutido em profundidade. Alice recebe este nome, claro, por causa da menina sonhadora do livro de Lewis Carroll (1832-1898), cuja imagem aparece no colo de Isla, e a contradição entre a figura ingênua criada pelo romancista em 1865 e a diabólica personagem de Fox não poderia ser mais sugestiva.
Como “Alice: Subservience” não chega mesmo aos pés de “Ex-Machina: Instinto Artificial” (2014), a produção definitiva sobre a interferência maligna de dispositivos tecnológicos no cotidiano do homem comum, de Alex Garland — se é que Dale sabe do que se trata —, só nos resta admirar os lábios carnudos de Fox ou o impecável traseiro de Michele Morrone, que exibe-se muito mais em “365 Days” (2020), Barbara Białowąs e Tomasz Mandes. Um dia ele será o novo Stallone.
★★★★★★★★★★