Indicado a 90 prêmios: melhor filme da Netflix (mas é provável que você ainda não o tenha assistido) Divulgação / Sony Pictures

Indicado a 90 prêmios: melhor filme da Netflix (mas é provável que você ainda não o tenha assistido)

Definitivamente, a maternidade é uma das temáticas recorrentes na obra de Pedro Almodóvar. Em “Mães Paralelas”, seu oitavo filme com Penélope Cruz, uma de suas musas há 25 anos, o diretor espanhol encontra na atriz a parceria ideal para traduzir a intensidade emocional e a complexidade narrativa que caracterizam seu trabalho. Cruz, com sua performance magistral, eleva o texto de Almodóvar a novos patamares, consolidando uma colaboração que promete ainda muitos frutos.

Lançado em 2021, este drama mescla os elementos que tornaram Almodóvar um artista respeitado mundialmente: uma narrativa visceralmente pessoal, dilemas éticos e uma reflexão profunda sobre a história política contemporânea da Espanha. O filme explora a angústia de duas mulheres cujas vidas se entrelaçam de maneira peculiar, abordando a incessante busca feminina por reconhecimento e independência, um processo contínuo e vital. O talento de Almodóvar para o melodrama é evidente em “Mães Paralelas”, onde as atuações alcançam uma intensidade precisa, transformando o filme em mais uma preciosidade cinematográfica. O cineasta capta com uma sensibilidade rara o que suas atrizes têm a oferecer.

A personagem de Cruz, Janis, é uma fotógrafa madrilenha cujo desejo de ser mãe é constantemente adiado pelo ritmo frenético de sua carreira. O destino intervém de forma inesperada quando Janis engravida de Arturo, um arqueólogo forense interpretado por Israel Elejalde, após uma sessão de fotos para o novo livro dele. Em uma transição abrupta, Janis aparece prestes a dar à luz, compartilhando o quarto de hospital com Ana, uma jovem mãe solteira de dezessete anos. A interpretação discreta de Milena Smit como Ana, embora inicialmente pareça arriscada, complementa perfeitamente a atuação de Cruz, resultando em uma dinâmica cativante que se mantém até o fim do filme. A convivência inesperada entre Janis e Ana revela inúmeros pontos de conexão entre elas, e Almodóvar aproveita essa interação para infundir seu roteiro com uma carga emocional crescente e cuidadosamente construída.

“Mães Paralelas” mantém o público em um estado de expectativa constante, com Janis inicialmente irradiando vitalidade, mas gradualmente despertando a compaixão dos espectadores. Isso se intensifica após o reencontro com Arturo, que visita seu apartamento para conhecer Cecilia, a filha que tiveram juntos. A virada na trama oferece a Cruz a oportunidade de prender definitivamente a atenção do público, destacando as complexidades de sua personagem. Smit, por sua vez, dá a Ana uma presença quase apagada, refletindo sua realidade difícil. Ambas se tornaram mães inesperadamente, mas para Ana, a maternidade é um fardo que a remete a um dos momentos mais tristes de sua vida. Diferente de Janis, Ana não está sozinha, mas é abandonada pela mãe, Teresa, uma atriz decadente que, ao receber uma chance de reviver sua carreira, parte em turnê, deixando a filha e a neta recém-nascida em um momento crucial. Aitana Sánchez-Gijón desempenha Teresa com precisão, enquanto Rossy de Palma, como Elena, amiga de Janis, também se destaca com uma atuação marcante.

O filme aborda temas colaterais, como a toxicidade da maternidade sem suporte familiar adequado e as feridas não cicatrizadas da Guerra Civil Espanhola. Estes elementos, embora abordados de forma desigual, se entrelaçam de maneira a criar uma terceira camada de narrativa. O passado violento da Espanha, com suas consequências duradouras, é personificado na busca de Janis pelo corpo de seu bisavô desaparecido durante a guerra, uma busca que se intensifica com o nascimento de Cecilia. Esta criança simboliza a possibilidade de resolução de conflitos antigos, unindo Janis e Ana em uma jornada emocional complexa.

“Mães Paralelas” é uma obra essencialmente almodovariana, repleta de referências visuais e narrativas características do diretor, como o uso do vermelho por José Luis Alcaine. A história começa de forma simples e vai se complicando gradualmente, como uma serpente se preparando para atacar. O desfecho, ao mesmo tempo absurdo e lírico, reflete temas de efemeridade e continuidade, celebrando a vida em todas as suas formas. Braços servem tanto para enterrar nossos mortos quanto para embalar nossos descendentes, encerrando o filme com uma mensagem profunda e duradoura.


Filme: Mães Paralelas
Direção: 
Pedro Almodóvar
Ano: 
2021
Gênero: 
Drama/Comédia/Suspense 
Nota: 
9/10