“Sangue Frio” leva o espectador a uma viagem pelas partes mais gélidas da alma humana, locais de onde dificilmente se volta igual, ou até mesmo de onde nunca se sai. O filme explora o espírito humano, revelando tanto as intenções mais nobres quanto as perversidades mais cruéis que alguém pode ter, como reflete Ana, a anti-heroína sofredora interpretada por Nina Bergman. Ela reconhece que alguns indivíduos parecem ter uma propensão natural e única para o mal.
Dirigido por Sébastien Drouin, o filme revisita elementos comuns a franquias como “Busca Implacável” (2008-2014), contando com o carisma do elenco para dar vida a uma história que oscila entre o absurdo das reviravoltas e a banalidade dos traços de seus personagens, cada um carregando suas próprias maldições e dores.
A fotografia de Ryan Petey, com suas tonalidades pastéis e desbotadas, prende o espectador no cenário nevado onde, como Ana alerta, tudo é uma grande farsa. Ela luta para sobreviver, primeiro a um ex-companheiro abusivo, depois a um salvador ainda mais ameaçador. Drouin e os corroteiristas Andrew Desmond e James Kermack conduzem a narrativa por uma série de situações improváveis, até que as máscaras dos personagens finalmente caem.
Em uma lanchonete à beira da estrada onde Ana trabalha como garçonete, David chega já após a cozinha ter fechado. Ela oferece-lhe café e uma fatia da “lendária” torta de maçã do local, iniciando uma conversa que parece um flerte até ser interrompida por Vincent, o ex de Ana, que surge bêbado e furioso, exigindo explicações sobre por que não pode ver o filho deles. Neste primeiro contato do público com a história, o diretor tira o máximo desse núcleo, fornecendo pistas sobre o rumo do enredo.
Interpretando Vincent, Yan Tual demonstra segurança ao expressar o desespero contido de um homem que pode ter sido um pai amoroso e um marido devotado antes de sucumbir ao alcoolismo. David, por sua vez, observa a contenda sem reagir inicialmente, mas intervém quando Vincent se torna agressivo com Ana. Allen Leech impressiona, especialmente ao comparar sua participação inicial com a transformação de seu personagem em um verdadeiro monstro, perseguido por um inimigo involuntário. Ele deixa Vincent para trás e, pouco depois de colidir com uma árvore, Drouin revela o mistério que desencadeia uma série de eventos surpreendentes, dedicando uma parte significativa dos 88 minutos do filme a uma criatura quase mitológica que habita as montanhas da região e se alimenta da carne daqueles que prejudicam seus semelhantes.
No meio de uma narrativa marcada por clichês, “Sangue Frio”, mesmo sem ser sempre original, traz um sopro de novidade para o gênero de suspense ambientado em paisagens nevadas. A transformação de Ana, libertando-se do cativeiro para assumir o controle de sua própria vida, serve como uma metáfora poderosa, abordando temas como livre-arbítrio, sorte, azar e fatalidade, apesar do elemento místico que surge em determinado momento. Especialmente no desfecho, quando se vislumbra uma razão para acreditar em milagres.
Filme: Sangue Frio
Direção: Sébastien Drouin
Ano: 2023
Gêneros: Terror/Suspense
Nota: 8/10