A existência humana se apresenta como uma jornada para a qual somos lançados sem aviso prévio. Perguntas fundamentais vagueiam pela mente sem soluções claras, e quanto mais tentamos criar explicações racionais, mais a frustração se incrusta em nosso espírito, como musgo numa rocha íngreme oculta por nuvens e florestas densas.
À medida que avançamos nessa jornada, os desafios tornam-se mais intensos e complexos — sejam eles apresentados pela Providência, destino ou qualquer outro nome que se dê à misteriosa força que nos envolve desde que abrimos os olhos para o mundo. Isso sugere que sempre há alternativas para a missão que nos impomos, talvez uma segunda ou terceira opção, mesmo que isso implique dedicar toda a vida a percorrer caminhos diferentes, não por mera escolha, mas por necessidade.
Os dilemas da vida inteira se intensificam nessas situações extremas, como criaturas exóticas que sobrevivem às mais severas tempestades e atacam sem aviso, exigindo do viajante uma reação apropriada. Não se vive intensamente o tempo todo — nem seria possível —, mas é imperativo que a vida adquira a profundidade rara que buscamos desde que percebemos sua finitude.
A sensação desconfortável de deixar tarefas inacabadas, não por medo, mas por desleixo, afeta não só crianças diante de uma lição difícil, mas pode se tornar a maior dívida de um homem consigo mesmo. Esse descontentamento tem o poder de mudar ou arruinar uma vida, e saber que uma decisão tão crucial afeta não só quem a toma, mas também muitos outros ao redor, traz inúmeros devaneios sobre triunfo e vitória. Um deslize, um momento de hesitação, e não apenas os sonhos, mas a própria vida pode ser varrida pela avalanche em que ela, por vezes, se transforma.
Este é o argumento explorado pelo diretor polonês Leszek Dawid em “Broad Peak” (2022), um drama biográfico sobre uma escalada interrompida por 25 anos. Dawid confere à sua obra o realismo necessário para um filme desse tipo, atentando para detalhes técnicos, como a fotografia de Łukasz Gutt e a trilha sonora de Łukasz Targosz, além do roteiro refinado de Łukasz Ludkowski. Ele também se concentra nas performances do elenco, que enfrentam temperaturas extremas e superam o medo de altura e desastres iminentes. A combinação dessas variáveis culmina na criação de um enredo envolvente e elogiável.
Em 1988, o alpinista polonês Maciej Berbeka (1954-2013) decidiu que era hora de realizar a façanha que daria sentido extraordinário à sua vida. Já prestigiado entre seus colegas da Associação Polonesa de Montanhismo e admirado pelo público que acompanhava sua carreira, Berbeka, interpretado por Ireneusz Czop, começa a se preparar para escalar o Broad Peak, o 12º pico mais alto do mundo, localizado no Himalaia, na fronteira entre China e Nepal.
Dawid captura cenas deslumbrantes, como se espera em produções do gênero, muitas ancoradas no carisma de Czop, enquanto valoriza as atuações dos coadjuvantes. A narrativa se desenvolve até a reviravolta que motiva o filme, retornando aos imponentes paredões de gelo do Paquistão, onde “Broad Peak” foi filmado.
Vinte e cinco anos separam os dois segmentos da história, ressaltando a natureza épica do relato. A revelação mais surpreendente ocorre na cena final, utilizando um fundo negro — talvez o maior deslize do filme, mas perdoável diante do que se presencia ao longo dos 102 minutos. Ninguém escapa do destino; a vida é inevitável.
Filme: Broad Peak
Direção: Leszek Dawid
Ano: 2022
Gêneros: Aventura/Biografia/Drama
Nota: 8/10