Realizar conquistas exige coragem, especialmente quando ainda não se alcançou a liderança. Em 1823, os Estados Unidos ainda estavam longe de ser a potência mundial que são hoje, com apenas cinquenta anos de independência. Até o século 17, aquele território era uma mistura de britânicos, franceses, holandeses e espanhóis, que apenas começou a ser reconhecido como nação em 1783, após o Tratado de Paris. Comparativamente, o Brasil levou apenas três anos para ser declarado oficialmente autônomo de Portugal em 1825, com o Tratado de Paz e Aliança.
“O Regresso” revela as cicatrizes de um país forjado com sangue, envolvendo caçadores, mercenários, índios e homens desesperados, enganados por promessas de dinheiro em troca de grandes sacrifícios, renúncias e humilhações. Esse filme, que aprofunda as dificuldades dos primeiros americanos, foi dirigido por um mexicano, Alejandro González Iñárritu, o que adiciona uma camada de ironia à narrativa. Baseado no romance de Michael Punke, publicado em 2002, Iñárritu aproveita a história para mostrar um lado pouco conhecido dos Estados Unidos. Ele foca na vida de Hugh Glass (1783-1833), um caçador que, após ser atacado por uma ursa parda e deixado para morrer, luta para sobreviver e busca vingança.
A equipe de Iñárritu passou cerca de um ano filmando em locações no Canadá, utilizando luz natural, um aspecto crucial para a produção. Emmanuel Lubezki, premiado com o Oscar de Melhor Fotografia por “Gravidade” (2013), “Birdman” (2014) e “O Regresso” (2015), desempenhou um papel fundamental com sua habilidade única de capturar a essência visual da história. Lubezki é o único cinegrafista a ganhar o Oscar de Melhor Fotografia por três anos consecutivos.
“O Regresso” pode ser visto como um “western antes do western”. Esse filme proporcionou a Leonardo DiCaprio o papel mais marcante de sua carreira até então, pelo qual ele finalmente ganhou o Oscar de Melhor Ator. González Iñárritu, premiado como Melhor Diretor pela Academia, criou uma obra-prima que mergulha no âmago da América antes de se tornar o que conhecemos hoje. Naquela época, não havia glamour; as transações comerciais envolviam peles, em vez de ouro, em um ambiente de trocas entre americanos, indígenas, espanhóis e mexicanos. O diretor explora a gênese da grandeza americana, ainda em formação, mas já centrada na necessidade de estabelecer pontes comerciais, que mais tarde se expandiriam no capitalismo global.
A jornada de vingança de Hugh Glass, inspirada pela traição de John Fitzgerald, que o abandona à própria sorte por dinheiro, é o cerne da narrativa. Fitzgerald, interpretado por Tom Hardy, aceita cuidar de Glass apenas por uma recompensa financeira, mas rapidamente revela sua falta de integridade ao propor terminar com a vida de Glass em troca de sua própria segurança. A sequência em que Glass, incapaz de falar devido aos ferimentos, é forçado a concordar com a morte iminente ao piscar os olhos é um dos momentos mais perturbadores do filme. O filho bastardo de Glass interrompe o assassinato, mas paga com a própria vida, destacando ainda mais a perversidade de Fitzgerald.
A sobrevivência de Glass e sua busca por vingança contra Fitzgerald formam a espinha dorsal da história, refletindo sobre a brutalidade e a determinação humana. “O Regresso”, na Netflix, nos lembra que, em meio à selvageria da natureza e da humanidade, as verdadeiras feras frequentemente permanecem escondidas. O filme é uma exploração profunda da essência humana e da luta pela sobrevivência em um mundo implacável.
Filme: O Regresso
Direção: Alejandro González Iñárritu
Ano: 2015
Gêneros: Aventura/Faroeste
Nota: 10