Considerado por críticos como o terror perfeito, filme que acaba de chegar na Netflix vai te deixar paralisado Divulgação / Shudder

Considerado por críticos como o terror perfeito, filme que acaba de chegar na Netflix vai te deixar paralisado

Se há um gênero de filme que consegue se reinventar conforme passam-se os anos, esse gênero é o terror. É inquestionável que o terror muitas vezes se aproveita de argumentos empregados em outras ocasiões, mas como os tempos são outros, como outro também é o entendimento das pessoas diante da vida, mesmo filmes abertamente inspirados em produções consagradas, cults ou blockbusters, apresentam suas adaptações, felizes ou nem tanto.

O terror proporciona uma infinidade de modos de se pensar o mundo, os costumes, a vida, e… rejeitar o mundo, os costumes, a vida — pelo menos a vida como a entendemos sob muitos aspectos desde tenra idade. Estreia mundial durante a seção Midnight Madness do Festival Internacional de Cinema de Toronto, “O Mal que nos Habita”, na Netflix, é mesmo uma loucura que parece florescer à meia-noite, a horas mortas, quando ninguém vê.

O argentino Demián Rugna já o havia feito com muito menos estardalhaço em “Aterrorizados” (2020), e três anos mais tarde, volta a abordar fenômenos sobrenaturais à luz da incapacidade do homem quanto a dominar-se de todo e conhecer os meandros repulsivos de sua própria alma.

Trazer para o reino dos vivos os que já partiram desta para uma melhor — ou não — pode ser o melhor jeito de acrisolar falsos pudores, até que o feitiço começa a virar contra o feiticeiro, a bruxa cai da vassoura, morde o vampiro e salve-se quem puder.

A morte não é questão de gosto, mas um fato. Admiti-la ou não; desejar que venha o mais tarde (ou o mais cedo) possível; superar temores comuns a qualquer indivíduo minimamente equilibrado, como deparar com o fim de quem julgávamos imortal; entender que cabe-nos apenas o usufruto da vida, que da morte o destino, seja lá o que isso signifique — Deus, diabo, sorte, azar — se encarrega, é uma verdadeira missão com que cada um arca respaldado, se muito, pela própria consciência. O diretor-roteirista investe num caos muito seu, no qual tudo e qualquer criatura pode ser uma entidade pronta a parasitar caipiras descuidados.

Os irmãos Pedro e Jimi percebem o crescimento de uma estranha forma de vida no curral de uma fazenda próxima, manifesta por uma agressividade incomum dos animais. Numa sacada genial, Rugna chama o intruso de apodrecido, conferindo o necessário realce a quão vulneráveis somos frente a esses mistérios da natureza mística e oculta do universo, que ninguém explica e sem sempre se combate.

Os personagens de Ezequiel Rodriguez e Demian Salomon materializam uma espécie de sabedoria telúrica do camponês simples, argumento que ganha força quando eles se unem a Mirtha, a faxineira interpretada por Silvina Sabater, narradora onisciente que ajuda o público a absorver melhor uma trama untuosa, que tanto pode ser uma metáfora do apocalipse nem tão distante, com uma sutil referência à pandemia de covid-19, como um lembrete shakespeariano de que nem tudo que existe nasce aqui embaixo.


Filme: O Mal que nos Habita
Direção: Demián Rugna
Ano: 2023
Gêneros: Terror/Suspense
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.