“Ex-Machina: Instinto Artificial”, dirigido por Alex Garland, leva o espectador a um cenário que nos é familiar há pelo menos 25 anos, tanto no cinema quanto fora dele. A internet, que começou como um experimento militar em 1969 para compartilhamento seguro de dados em tempo real, foi evoluindo e se aprimorando até se tornar parte integral do cotidiano de 99% da população mundial, independentemente de classe social, cor da pele ou religião. No entanto, apenas 60% dessas pessoas possuem uma conexão eficiente em casa, mostrando que a inteligência artificial, mesmo em suas formas mais básicas, ainda não é amplamente acessível.
A humanidade, sempre insatisfeita e buscando mais, conseguiu realizar o sonho de imitar a onipotência divina. À medida que surgiam novas demandas e necessidades, desenvolviam-se também soluções para esses problemas, criando objetos e dispositivos que antes eram desconhecidos para o cidadão comum. Essas inovações, capazes de expandir a realidade e proporcionar experiências inimagináveis, rapidamente se tornaram banais, assim como eletrodomésticos. Consequentemente, os antigos desejos foram substituídos por novos, levando a um acúmulo interminável de gadgets para satisfazer as novas necessidades.
O medo da decrepitude e do fim da vida acompanha a humanidade desde os primórdios. No Antigo Testamento, o “Gênesis” narra a história de Matusalém, um patriarca que teria vivido 969 anos, inspirando tanto fiéis quanto céticos. Como ele conseguiu tal longevidade sem a medicina avançada e a tecnologia moderna é um mistério da fé. Ainda assim, o homem contemporâneo, assim como Matusalém, sempre buscou sua cota de eternidade. Isso é evidente em instrumentos simples que ajudam a mitigar os efeitos do envelhecimento, como cadeiras de rodas, próteses ósseas, óculos e tintas de cabelo.
A trama de “Ex Machina” gira em torno de Caleb, um jovem programador talentoso escolhido por sorteio para se hospedar na casa de Nathan, seu chefe bilionário que lidera uma startup de pesquisa em interação homem-máquina. O filme explora as questões éticas das ações dos personagens. Nathan, um psicopata clássico, manipula Caleb para participar de um experimento que ele considera revolucionário. Nathan criou uma forma de vida artificial chamada Ava, interpretada por Alicia Vikander, e deseja testar sua criação usando o Teste de Turing, que mede o quão humano é o comportamento de uma máquina.
Ao combinar circuitos perfeitos e algoritmos com um rosto meigo e um corpo atraente, Nathan captura Caleb com Ava, a ginoide que incorpora tudo o que ele poderia desejar em uma mulher real. As interações entre Caleb e Ava trazem uma sensação de tranquilidade enganosa, enquanto a audiência é envolvida em um jogo cujos próximos passos se tornam previsíveis. Ava manipula Caleb com sutileza, mostrando quem realmente está no controle, e Caleb se deixa seduzir por suas fantasias, perdendo-se completamente.
No “Tractatus Logico-Philosophicus”, Ludwig Wittgenstein argumenta que o mundo nunca poderia ser representado perfeitamente por nenhuma linguagem devido à sua vastidão e natureza caótica. O máximo que o homem pode alcançar são ideias que tocam tanto o real quanto o imaginado. Com isso em mente, como classificar a vida que se apresenta através da realidade virtual? Uma encarnação do sonho? Uma vida inventada? Qualquer hipótese poderia ser verdadeira, desde que não se afirme que uma pode se misturar com a outra fora do cinema.
Se Caleb fosse um leitor de Wittgenstein, saberia que a sugestão de um romance entre Ava e ele é uma loucura. Ava se torna mais esperta que Nathan, contendo em seus sistemas todos os dados da web, uma habilidade que o próprio Nathan lhe conferiu. Talvez movido pelo desejo inconsciente de preencher o vazio de sua vida, Nathan permite que Ava o mate, completando a trama. Caleb se condena ao permitir que Nathan o influencie e, finalmente, é vencido pela astúcia de Ava. Em uma das cenas mais impactantes do cinema contemporâneo, Ava triunfa, deixando Caleb preso e partindo para a civilização, pronta para dominá-la silenciosamente, aproveitando-se da natureza humana que agora possui.
A máquina venceu.
Filme: Ex-Machina Instinto Artificial
Direção: Alex Garland
Ano: 2015
Gênero: Ficção científica
Nota: 9/10