Maceta profunda

Maceta profunda

Pensem num lugar quente, úmido e profundo… Huummm… Isso mesmo. Caverna. Foi exatamente isso o que eu pensei que vocês responderiam. Sou um sujeito destituído de propriedade — de calor, de umidade e de profundidade também — para avaliar como sucedeu o carnaval de 2024 no país. Tive notícias várias. Um dos fatos mais relevantes da folia, disseram-me, foi o sucesso retumbante da canção “Macetando”, da autoria de Ivete Sangalo, Luciano Chaves e Samir Trindade. Contaram-me também de um entrevero público, com tiradas um tanto quanto hilárias, patéticas, que envolveu as cantoras Ivete Sangalo e Baby do Brasil, permeado pela incongruente mistura entre carnaval e religião. Pode parecer loucura, uma bagaceira mesmo, algo digno de ser macetado, eu diria.

Apesar de possuir o ensino médio completo, recorri aos mais variados dicionários da língua portuguesa em busca de um significado para a vida, ou melhor, em busca de um significado para o verbo macetar. Antes disso, confiante como um colegial relapso que anotava as colas no solado do All Star azul, de acordo com os meus porcos conhecimentos, quer dizer, de acordo com os meus parcos conhecimentos, macetar seria o mesmo que bater nalguma coisa ou bater em alguém utilizando um instrumento contundente. Algo do tipo macetar um prego. Macetar o próprio dedo, por acidente, ao manejar um martelo. Ou mesmo, macetar um roedor na cozinha, até a morte, usando o cabo da vassoura. De acordo com as fontes pesquisadas, confirmei o que eu já supunha. Originalmente, antes do advento dos versos com duplos-sentidos, macetar significava golpear, bater ou amassar algo utilizando um dispositivo, em geral, um martelo, um bastão ou uma maceta. Maceta é ferramenta de macetar. Ficou claro?

Todos que me conhecem sabem que eu amo música mais do que oxigênio, pudim de leite condensado e Scarlett Johansson. Então, apesar de ser um indivíduo assumidamente sem graça, uma criatura avessa à folia de momo, a título de curiosidade — e de ócio — fui escutar “Macetando” com a expectativa de descobrir ali uma canção dançante, simplória, que fosse similar, sei lá, por exemplo, a “Datemi um martello”, que ficou célebre na voz de Rita Pavone nos anos de um mil novecentos e antigamente. Não. Não sou dessa época, bambini. Eu sequer havia nascido.

Eu me deparei com uma canção divertida que, na minha larga experiência como crooner de chuveiro, parecia se tratar de um funk. Só por conta disso, liguei o sinal de alerta, preocupado com o que encontraria pela frente. Era hora de prestar atenção na letra da composição de Ivete e colaboradores. Sempre fui, lamentavelmente, um homem de inteligência mediana, um sujeito regular, um carinha assim mais ou menos, nos dizeres do meu finado — e sábio — sogro. Percebi, logo à primeira audição, que “Macetando” não tinha nada a ver com prego, com martelo, muito menos, com dedo esmagado acidentalmente.

Graças a Deus, possuo uma mente suja no ponto certo, dentro dos padrões requeridos para cidadãos de bem e pais de família. Um fila-da-puta sob controle. Considero-me, ainda, talentoso pra caramba na prática da interpretação de textos. Costumo captar as mensagens de primeira, nas linhas ou nas entrelinhas. É óbvio que estou sempre sujeito aos equívocos de avaliação. Tudo bem. Todo mundo erra. Até mesmo Deus, ao criar a gente. Logo, concluí que “Macetando” era um hit carnavalesco com uma mensagem claramente maliciosa — nada contra a malícia, tudo contra a milícia — que parecia mais afeita ao divertimento sexual sem fins reprodutivos, algo que as religiões fundamentalistas rejeitam, desde que a luxúria não aconteça por iniciativa dos homens paroquianos, o que seria perdoável e, quiçá, transformado em cases de sucesso pelos pastores de visão empresarial.

Tudo bem. Eu sei. Não se pode levar o carnaval à sério. Nem as igrejas. Nem sujeitos como eu. Um dos principais objetivos da folia é brincar, dançar, desanuviar, confraternizar e, quem sabe, sambar. Isso não tem nada a ver com os enfadonhos discursos hipócritas de moralidade. Vejo a situação com a maior simplicidade do mundo. “Macetando” nada mais é do que mais uma música ruim, um produto comercial com prazo de validade menor do que um vidro de maionese light.

Perdoem-me pela eloquência. Reconheço a importância de Ivete Sangalo enquanto diva do cancioneiro brasileiro e ícone do empoderamento feminino. O seu carisma e a sua qualidade vocal são incontestáveis. Também sou fã de Baby do Brasil, antes dela mudar de nome e de transmutar para essa deplorável fase carola. Tenho tímpanos maleáveis. Eles já suportaram centenas de canções compostas com fins meramente comerciais. É do jogo. Sobrevivi a sucessos como “Conga Conga Conga” e “Freak le boom boom”, um dos inumeráveis hits espermáticos da amalgamada Gretchen, tantas vezes homenageada em banheiros e toaletes Brasil afora.

Vida que segue. Um pouquinho de sarcasmo, de fantasia e de luxúria não nos farão mal algum. Olhando sob outra perspectiva, nada mau tomar macetada no verbete, ou melhor, tomar macetada da Veveta. Imagino que isso deva ser uma coisa deveras prazerosa. Afinal de contas, no Brasil, quando não em pizza, tudo termina em sacanagem.