Fofa e encorajadora, comédia romântica na Netflix mostra que o amor não cabe em uma caixa Ben Rothstein / Twentieth Century Fox

Fofa e encorajadora, comédia romântica na Netflix mostra que o amor não cabe em uma caixa

A adolescência é um tempo estranho na vida do ser humano. Alterações hormonais, pelos selvagens por todo o corpo, acnes monstruosas, uns engordam demais, outros crescem do dia para a noite, e o mundo lá fora em constante ebulição, feérico, sombrio, vomitando sua loucura sobre cérebros ainda tão verdes e espíritos tão desarmados. Em meio a essa saraivada de bombas de todos os feitios, dentro e fora, há bastante tempo para as maravilhosas autodescobertas, não raro aterradoras, mas igualmente necessárias, e é nesse embalo que Greg Berlanti tira o público para dançar com “Love, Simon”.

A história de um garoto em paz com sua homossexualidade, mas temendo represálias da parte de quem não o conhece — e que, claro, não deveria importar para ele —, sai das páginas um tanto frias de “Simon vs. the Homo Sapiens Agenda” (“Simon contra as exigências do homo sapiens”, em tradução livre), um pseudo-romance de formação da psicóloga americana Becky Albertalli, publicado em 2015, para envolver pais e filhos na bem-humorada discussão que nunca se esgota, cada vez mais urgente, para o bem e para o mal, e estranhamente incômoda dado o jeito perverso com que se dá em diferentes estratos da sociedade. No roteiro, junto com Isaac Aptaker e Elizabeth Berger, Albertalli comete mais acertos, e o protagonista, afinal, ganha vida ao exorcizar fantasmas bem reais com amor.

A vida é feita de uma sucessão de medos, anseios, cobranças, satisfações que achamos que devemos ao universo — quando o universo não tem a mínima ideia de quem somos, não faz o menor esforço para entender nossas necessidades as mais íntimas, não priva de nossos desassossegos quanto ao que nos prepara o mundo e sua sedutora crueldade, e não tem nenhuma pretensão de fazê-lo —, dilemas existenciais que vêm e vão ao sabor das obsessões mais vultosas do momento, tantos deles profundos como um balde, e dúvidas quanto ao que reserva-nos o futuro, essas a fonte do alvoroço essencial que é viver.

A sensação de desajuste, de estar sempre se colocando em situações incômodas, sobre as quais não se tem qualquer ascendência, perigosas até, muitas vezes (e, pior, de propósito, ainda que o inconsciente nunca o queira confessar), vai tornando-se mais abafada ao longo dos anos, mais difusa, até que nos socorre uma salvífica maturidade, de que, finalmente estamos autorizados a dispor nos momentos de inescapável apertura.

Enquanto essa hora não chega, Simon mora na casa espaçosa de Emily e Jack, os pais vividos por Jennifer Garner e Josh Duhamel que o amam incondicionalmente, a relação com Nora, de Talitha Eliana Bateman, é tão serena quanto pode ser a convivência entre irmão mais velho e irmã caçula, e nas aulas do clube do teatro da escola ele reina absoluto. Esses dois núcleos são fundamentais para se entender o conflito que se abate sobre Simon no segundo ato, salientando-se que ele jamais tem dúvida quanto a preferir meninos, apenas em seus sonhos mais obscuros e secretos por algum tempo.

Berlanti empresta a seu filme a aura de um autêntico drama juvenil conforme vai deslindando o mal-entendido que lança o mocinho no olho de furacão, e a revelação de sua homossexualidade implica tornar pública também a figura de Blue, o rapaz com tem mantido uma fecunda correspondência, sob o pseudônimo de Jacques. Muito da graça de “Love, Simon”, que está na Netflix, deve-se à maneira como Nick Robinson conduz seu personagem, sem fazer pouco das inquietações de Simon, mas com leveza. E leveza, em especial nesses assuntos, é um artigo cada vez mais raro.


Filme: Love, Simon
Direção: Greg Berlanti
Ano: 2018
Gêneros: Romance/Comédia/Coming-of-age
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.