O filme mais subestimado da Netflix (e certamente você não o assistiu)

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A narrativa do mundo raramente persistiu em ecoar a vida de um indivíduo ordinário da maneira como a história de Anne Frank ressoou. Nascida em 1929 e tragicamente desaparecida em 1945, Anne se imortalizou não apenas como símbolo da opressão judaica, mas como um emblema de resistência humana. Sua juventude foi abruptamente interrompida, e a incerteza sobre a data exata de sua partida — debatida entre fevereiro e março de 1945 — apenas intensifica o mistério e a melancolia que envolvem sua figura. Em Bergen-Belsen, local que representa um dos capítulos mais sombrios da humanidade, situado em Hanôver, Alemanha, Anne enfrentou o vazio da crueldade humana, deixando para trás um legado que transcenderia seu nome.

Desde os primeiros ecos de sua história, a vida de Anne Frank tem sido uma fonte inesgotável de inspiração cinematográfica, originando 34 filmes desde 1959. George Stevens nos apresentou “O Diário de Anne Frank”, uma obra que, com meticulosa autenticidade, retrata os dias de uma jovem escondida em um anexo secreto, revelando os medos e esperanças de uma mente florescente sob as sombras do terror nazista. Esse filme seminal abriu caminho para uma série de interpretações cinematográficas, elevando Anne Frank a um status ícone cultural, porém, ocasionalmente oscilando na corda bamba entre a celebração respeitosa e a trivialização de sua experiência.

Em 2021, surge uma perspectiva renovada com “Anne Frank, Minha Melhor Amiga”. Este filme, explorando a complexidade de Anne através dos olhos de Hannah Goslar (sua suposta confidente íntima, conforme retratado em detalhes por Alison Leslie Gold em seu livro de 1997), desafia narrativas anteriores. O filme desvenda nuances até então ofuscadas, contrastando a vida familiar de Goslar com as tensões latentes na casa de Frank. Esta análise revela que, enquanto Goslar desfrutava de um ambiente familiar mais sereno, Anne encontrava verdadeira satisfação na presença de sua amiga. Além disso, a película ousa onde outras hesitam, abordando a questionável sexualidade de Anne, um tópico frequentemente suprimido sob preconceitos velados, revelando preconceitos persistentes em nossa sociedade supostamente progressista.

Mais intrigante é a forma como o filme se recusa a santificar Anne, escolhendo, em vez disso, manter a autenticidade de sua humanidade. O diretor resgata trechos do diário, frequentemente expurgados, que exploram a sexualidade feminina e questionamentos introspectivos, mantendo-se fiel à perspectiva libertária de Anne, algo revolucionário para sua época e ainda provocativo hoje. Otto Frank, ao preservar esses escritos, pagou o mais sincero tributo à filha, realçando sua essência rebelde e verdadeira, em vez de relegá-la a um símbolo intocável e distante.

“Anne Frank, Minha Melhor Amiga” triunfa com um elenco que reinventa as personagens principais. Aiko Beemsterboer, interpretando Anne, e Josephine Arendsen, como Goslar, trazem uma frescura interpretativa, iluminando aspectos geralmente obscurecidos por narrativas mais hagiográficas. O roteiro navega habilmente entre a inocência e o despertar das jovens, revelando-as como seres multifacetados, e não apenas ícones de pureza ou tragédia.

O filme, mantendo um ritmo narrativo astuto, leva os espectadores ao coração do sofrimento das jovens, particularmente durante seu confinamento. A cinematografia transita do vibrante ao sombrio, refletindo a jornada tortuosa de Anne e Hannah desde seu refúgio em Amsterdã até Bergen-Belsen. Esses momentos, longe de serem meros dispositivos dramáticos, servem como um lembrete pungente da profundidade da depravação humana alcançada durante esses anos sombrios.

A conexão de Anne Frank com os Países Baixos é indelével. Foi lá que Otto Frank reconstruiu a vida pós-guerra e onde a família encontrou efêmera segurança. O relato de Anne, salvaguardado por Miep Gies e posteriormente publicado, nasceu do desejo de uma jovem de expor os horrores da guerra e do genocídio. Essa voz, que emergiu de um dos períodos mais desoladores da história moderna, continua a desafiar o silêncio, a indiferença e o esquecimento, garantindo que a história de Anne Frank permaneça inextinguível no coração da consciência coletiva.


Filme: Anne Frank, Minha Melhor Amiga
Direção: Ben Sombogaart
Ano: 2021
Gênero: Drama/Biografia
Nota: 9/10