O mundo esconde paraísos nos quais gente humilde também chora, se desespera, trabalha muito para ganhar uma miséria e adoece, vítima do descaso de quem deveria zelar por eles, morrendo sem escandalizar ninguém. Retrato das desigualdades que convertem beleza em prostração, sol em tormenta, “O Melhor Lugar da Terra” diz verdades conservando a porção lúdica da história, parábola sobre os desejos profundos de transformação que o homem nem sempre alcança, mas para os quais sua energia se volta com todas as forças, na esperança de que o existir seja, afinal, o que julga digno de sua batalha incessante. Celso R. García investe em arcos simples, que se vão desdobrando em conflitos que tendem ao absurdo, guardando na verdade a aura dos tantos dramas da condição humana, incorporados por tipos paradoxais, robustos em suas vulnerabilidades, abandonados, mas dispostos a virar o jogo.
Uma imensidão de águas plácidas culmina numa ilha verde com diminutos rebanhos pastando livres e sem alvoroço. Santa María, vilarejo pequeno em cujo coração maternal sempre cabe mais um, é a casa de 120 felizardos que ganham a vida pescando e vendendo o que lhes oferece o mar, sem grandes queixas ou demandas tão complexas, até que o tempo vira. Já não é mais tão simples lançar a rede e voltar com o alimento e a féria do dia, circunstância agravada com a instalação de uma beneficiadora de pescado na cidade vizinha e o consequente êxodo da mão de obra, o que empobrece muito a aldeia.
O roteiro de García e Luciana Herrera Caso pontua essa primeira virada com um céu fechado, tanto mais cinza do que o visto até então, mérito da fotografia de Santiago Sanchez, e a fila com quase todos os habitantes de Santa María à espera do pagamento do seguro-desemprego, encabeçados por Germán, o líder dos caiçaras, papel de Guillermo Villegas. Como se não fosse o bastante, as moléstias do corpo e da alma começam a flagelar com mais rigor quem fica, e García e Caso equilibram a crescente angústia desse cenário acenando com a vinda de Mateo, o clínico-geral vivido por Pierre Louis, que não parece tão certo sobre se permanece na cidadezinha. Este é o gancho de que o diretor se vale com o propósito de entrar de vez no poético mote de seu filme, as mentiras brancas levadas a ferro e fogo pela população de Santa María na intenção de persuadir o doutor Mateo a se decidir por estabelecer-se na ilha, já se podendo supor que a farsa não há de durar para sempre. Mas dura por longos doze meses.
Nas entrelinhas, García refina enredos mais ligeiros — e saborosos — que contam de adultérios, traumas do passado, velhice e o fim da vida, com alguma margem para romance, como o de Mateo e Lucía, a mocinha de Yalitza Aparicio, de volta depois do hiato que se seguiu a “Roma” (2018), de Alfonso Cuarón.
Filme: O Melhor Lugar da Terra
Direção: Celso R. García
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 8/10