Sequência de clássico que lotou cinemas em todo o mundo está na Netflix e você ainda não assistiu Lisa Rose / Columbia Pictures

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Grandes amizades acabam por se tornar uma espécie de seita, em que os iniciados se submetem a testes periódicos a fim de verificar se ainda continuam todos na mesma sintonia. No caso das protagonistas de “Jovens Bruxas: Nova Irmandade”, três garotas assumidamente esquisitas se descobrem portadoras de dons sobre-humanos, mas para que a alquimia seja mesmo perfeita, é necessário achar a figura que encarna a porção que resta para se encher o caldeirão. Zoe Lister-Jones retrocede um quarto de século e vai a “Jovens Bruxas” (1996), de Andrew Fleming, a fim de buscar inspiração e equivalência semântica para seu filme, antes de mais nada uma trama que elabora com alguma perspicácia a discussão de problemas que nos colhem com mais furor numa certa fase da vida. Em seu roteiro, a diretora lança mão do caráter excepcional dessas garotas para tocar em suas verdadeiras fragilidades, contra as quais só elas mesmas podem.

“Nova Irmandade” começa com três das personagens-centrais dividindo bons pressentimentos num ritual entre macabro e ingênuo, empenhando-se em despertar as quatro entidades básicas da natureza ainda que saibam que a operação tem grandes chances de restar baldada, pela razão óbvia de que, se cada uma tem em si sua própria essência, nunca conseguiriam absorver por completo o elemento que falta. Se com o norte fica a terra, de onde brota toda a vida; o leste sopra o ar que a refresca e leva embora as toxinas que barram-lhe o progresso; no sul está o fogo que mata o frio e dá o aconchego, queimando as pragas e suas moléstias; do oeste virá a água, que irriga, amolece e nutre a dura semente, até que seja fruto e o ciclo se inicie de novo.

É por ela que esperam Frankie, Lourdes e Tabby, as personagens de Gideon Adlon, Zoey Luna e Lovie Simone, que seguem tentando sofisticar seus feitiços, sonhando chegar à telepatia. Em paralelo, um plano geral em plongée mostra um carro se deslocando pela estrada que corta uma imensa floresta de árvores secas: Lily e Helen Schechner estão de mudança porque surge, enfim, uma nova perspectiva para a vida das duas. Elas viajam para a casa de Adam, o novo namorado da senhora Schechner, com Michelle Monaghan aparecendo bissextamente, mas segura, e, claro, a transição não é assimilada com tanta facilidade pela filha. Cailee Spaeny passa a dominar o longa, com toda a serenidade, um pouco como Melissa Joan Hart em “Sabrina, Aprendiz de Feiticeira” (1996-2003), de Nell Scovell, deixando espaço para que David Duchovny também se aposse de sua função um tanto caricata de antagonista, mas aprazível num enredo assim despretensioso. Do meio do segundo ato em diante, “Jovens Bruxas: Nova Irmandade” aborda temas mais indigestos, como a descoberta da sexualidade de Lily — com uma meticulosa cena de masturbação sugerida —, quando a história envereda pelas verdadeiras razões a unir o quarteto. 


Filme: Jovens Bruxas: Nova Irmandade
Direção: Zoe Lister-Jones
Ano: 2020
Gêneros: Terror/Fantasia/Coming-of-age
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.