Não é propriamente original um filme tratar dos grandes obstáculos à plenitude de um espírito sereno dispondo de atores em locações paradisíacas onde se tem a impressão de que o drama mais melancólico, os desajustes mais intoleráveis, tantas e tantas horas de sono perdidas, os problemas graves e comezinhos da vida como ela é somem feito por encanto, parecendo até que há mesmo uma terra mágica a que todos precisamos ir de tempos em tempos, perto, depois da próxima curva da estrada. “Em Uma Ilha Bem Distante” investe num saboroso clichê a fim de destacar essa humaníssima necessidade de reencontros os mais íntimos de alguém consigo mesmo, de descobrir seu espaço no mundo e entrar em simbiose com a natureza, encará-la como a aliada que é, que sempre foi, mas que não se cala diante da hostilidade gratuita da nossa espécie, nem tão avançada como pensa. Viver pode ser uma experiência gratificante, para muito além de tolas ilusões, quando nos sentimos a fazer de algo muito maior que a tola e pretensiosa existência de cada um. Eis a ideia fundamental da alemã Vanessa Jopp.
Jopp abre a intimidade de Zeynep, uma turca de origem alemã, sobrecarregada, resistindo a suas frustrações sem se deixar abater pelo fardo dos anos, presa num casamento que já deveria ter acabado, encarcerada na própria vida. A protagonista vivida por Naomi Krauss tem de lidar com a morte da mãe, Katarina, mas também com a dependência do pai idoso e algo misógino e com a distância crescente da filha, mas o que parece atingi-la mesmo é o desinteresse cada vez maior de Ilyas, o marido, interpretado por Adnan Maral. Cíclico, o texto de Jane Ainscough aplaina boa parte das camadas mais espinhosas de Zeynep, que anseia por uma chance de libertação, malgrado nem ela o saiba. O argumento central, a casa que recebe de herança na ilha croata a que o nome do filme faz alusão, é tomado como a oportunidade de oferecer à personagem de Krauss o salvamento, ainda que tardio, de que ela tanto carece, sem o marido, a filha, o pai, só consigo mesma. Por óbvio, as paisagens da Croácia, realçadas pela fotografia irretocável de Katharina Bühler, são um dos estímulos mais determinantes para a virada de mesa de Zeynep, e exatamente como sói acontecer quando se tem expectativas muito claras num momento mais nebuloso da vida, surpresas indesejadas a uma apreciação ligeira convertem-se na metamorfose com que ela sonhava sem nunca ter se dado conta.
Ainda no primeiro ato, Jopp aprofunda-se nos dramas pessoais de sua heroína, sem margem para preciosismos. Zeynep conhece Josip Cega, o aldeão a que Goran Bogdan dá vida, do jeito mais inusitado possível, e a narrativa segue nessa toada, equilibrando humor e as cenas em que Krauss e Bogdan alongam-se sobre os conflitos de seus personagens, revezando-se no eixo da história, mas também brilhando juntos. Subtramas como as que trabalham a relação da personagem central com a filha, seu pseudocaso com Conrad, de Artjom Gilz, o corretor imobiliário 25 anos mais novo, e a decisão cabal sobre a possível nova união com Josip dão um senso de pura realidade a um enredo meio fabuloso, quase tão mesmerizante como as franjas do mar Adriático.
Filme: Em Uma Bem Ilha Distante
Direção: Vanessa Jopp
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Drama/Romance
Nota: 8/10