Instituto Machado de Assis: afinal, para que(m) serve a Literatura?

Instituto Machado de Assis: afinal, para que(m) serve a Literatura?

Em seu ensaio intitulado “O direito à Literatura”, o crítico literário Antonio Candido adverte que a arte literária corresponderá a uma espécie de necessidade universal que há de ser respeitada, sobretudo porque liberta o indivíduo do caos; e, portanto, humaniza-o. Neste contexto, caber-se-ia a indagação a respeito da utilidade prática da Literatura, na gênese de uma sociedade contemporânea pautada pelos dogmas e preceitos da pós-modernidade deste século 21. Após breve reflexão, há de ser imprescindível observar as apreciações do psicanalista Sigmund Freud, referentes ao fato de que, mesmo o ser humano desprovido de ficção: livro, teatro de fantoches, artes plásticas, cinema, crônica jornalística etc., será agraciado pelo acesso ao sonho, o que, de certa forma, o municiaria do devaneio imprescindível à sua sobrevivência física em preto e branco. Não obstante, os fragmentos de fabulação contidos no ato de sonhar utilizados pela Psicanálise –– que tanto influenciaram o Surrealismo e a Sétima Arte (flashback, por exemplo) em particular; e a Modernidade, de um modo geral ––, não substituirão a importância do registro literário na formação social do sujeito pensante, apto à reflexão crítica sobre a sua condição humana. Em suma, a emblemática questão gira em torno do que se resume ao título da crônica — afinal, para que(m) serve a Literatura?

A resposta a tal indagação sobre a importância da experiência ficcional na constituição do indivíduo em sociedade, por intermédio dos mecanismos de representação da escritura, pode ser detectada no bojo do discurso literário, que se inscreve para categorizar a Estética da Invenção. Esta se interpõe por entre regras e normas gramaticais, estrofes e/ou parágrafos, a servir de parâmetro na construção da subjetividade de leitura. Dito isto, enfatiza-se que, em primeiro plano, a função da Literatura não deve ser avaliada por critérios que delimitam, apenas, o número de indivíduos alfabetizados de uma determinada época e/ou região. Neste sentido, a formação da individualidade pelo discurso de ficção se dará pelo viés da constituição humana e intelectual, de modo que o habilite à condição de Leitor contextualizado. Destarte, ao capacitar-se à leitura pela reprodução ficcional, o homem se aproxima de um esboço construído pela experiência literária, mediante traço rítmico ou verbal, que o transformará significativamente. Em verdade, o processo de recepção do público leitor se assemelha ao que se contempla através da pluralidade inventiva, que preencherá a necessidade de ficção para além do sonho freudiano.  Logo, a tradição literária se perfaz com o enquadramento social propositado pela narração ou poema, ao mesmo tempo em que a tessitura lírica ou em prosa de ficção emoldura a abstração de um episódio histórico ou de um drama particular.

Em retorno ao questionamento supracitado no título e ao fim do primeiro parágrafo do artigo, ao discorrer a respeito do dilema subjetivo sobre drama universal da existência, delimitando-se que a Literatura quando se afeiçoa ao espírito dos leitores interpõe-se à lucidez do sensorial e do implícito. De modo a desatar os nós da mais árdua sobrevivência, a partir da capacidade hermenêutica de identificação, a Literatura desperta ao coração a sensibilidade de decifrar enigmas envoltos por labirintos íntimos desbravados por heróis e heroínas. Quando instiga o pensamento ao singelo desabrochar de uma flor-consciência, as artes literárias se instauram na sensibilidade humana, ao dialogar com o mais translúcido e absurdo Infinito, com seus mágicos arranjos de serafim para gorjeios de pássaros silvestres, orquestrados por peripécias de borboletas multicolores ávidas pelos arroubos de quimeras e utopias, inalcançáveis ante a efêmera cronologia de realizações e descobertas (in)violáveis.  

Ao vasculhar a memória sobre a importância das incursões aos registros literários, recordo-me da entrevista da ficcionista e acadêmica Nélida Piñon ao programa Literatices. Quiçá, a mais inspirada discípula de Machado de Assis, quando indagada sobre a sua expectativa em relação ao Prêmio Nobel de Literatura, a escritora mencionou que, apesar do reconhecimento internacional, ainda assim sentia na pele a dificuldade de os artistas nacionais se difundirem no exterior, muito possivelmente em razão da dificuldade de acesso do público estrangeiro ao idioma português; porém, sobretudo pela ausência de políticas públicas de divulgação do espólio ficcional pátrio. Ao término da exposição, prosseguiu-se o diálogo com o autor Deonísio da Silva, que ratificou a necessidade de afirmação de uma identidade nacional, através da propagação da obra de ficção em língua portuguesa.  Ao refletir sobre a questão aventada por Nélida Piñon, eu fui tomado de assalto por uma ideia de que seria primordial que o Brasil se fizesse representar por uma instituição que divulgasse a Literatura ao redor do planeta; e que o órgão responsável pela missão de difundir a “última flor do Lácio”, por países europeus, africanos e asiáticos, em homenagem ao grande gênio das letras pátrias, deveria se chamar Instituto Machado de Assis.

Diante de tal concepção, comecei a conjecturar o método de formulação de um projeto que me fizesse sensibilizar as assembleias, confrarias, associações e grêmios recreativos, desde a Academia Brasileira de Letras (ABL), Fundação Getulio Vargas (FGV) e Casa de Rui Barbosa ao Ministério da Educação e ao Itamarati, passando por instituições de fomento à pesquisa, tais como Capes, CNPq, Funarte etc, sem menosprezar o incentivo fiscal destinado às parcerias público-privadas (PPP). Ao esboçar a estratégia de divulgação, após breve pesquisa, descobri que o instrumento mais palpável para concretização do Instituto Machado de Assis seria a conjugação de forças de políticos e intelectuais, de sorte que se alavancasse um cronograma de perspectivas de ordem cultural, quiçá aos moldes dos Goethe-Institut e do Instituto Cervantes. Por este raciocínio, a proposição cultural de exposição da Literatura brasileira abarcaria um centro de referência linguística mundo afora, que se predispusesse a também ensinar o idioma do autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Quicas Borba” e “Dom Casmurro”, a partir da contratação de profissionais habilitados por parâmetros acadêmicos, para o exercício docente no exterior a partir de processo seletivo por intermédio da análise curricular.

Por fim, cabe encerrar o artigo com uma triste notícia: a magnífica intelectual Nélida Piñon não estará mais entre nós para corroborar se este seria o caminho apropriado a nos conduzir pela defesa de um patrimônio idiomático, subscrito pela magnífica interpretação de um país reinventado pela estética de Machado de Assis. Não obstante, eis a singela homenagem deste simplório e modesto escriba à já saudosa autora de “A República dos Sonhos”, em documentário A Dama de Pétalas: para isto talvez sirva a Literatura ou para nada…